Sunday, July 30, 2006

 

Transformação...


Apeteceu-me hoje
(grande atrevimento)
criar uma lei alternativa à de Lavoisier.

Ele diz:

Nada se cria,
Nada se perde,
Tudo se transforma.

Eu digo:

Muito se cria,
Nada se perde,
Tudo nos transforma.


Ele referia-se à matéria.
Eu refiro-me ao espírito.


(Imagem: Irina Ilina, Transformation)


Tuesday, July 25, 2006

 

Saber versus sabedoria, ou (talvez) a apologia do esquecimento



Durante muito tempo andei preocupada com o facto de não ter boa memória. Os amigos têm de me lembrar das nossas brincadeiras e aventuras de velhos tempos, não consigo lembrar-me dos títulos de grande parte das minhas músicas preferidas e muito menos associá- -los aos nomes dos intérpretes, nem vale a pena perguntar-me como se vai para não sei onde (porque quando eu preciso de lá chegar vou perguntando às pessoas que vou encontrando pelo caminho); informações acumuladas são, em grande parte, rapidamente esquecidas e de novo procuradas cada vez que são necessárias.

Preocupei-me com isto durante muito tempo, mas agora deixei-me disso. Comecei por aceitar esta minha característica (às vezes não aceitarmos as coisas é o maior dos problemas), e por arranjar forma de a contornar.

E para me ajudar nesta minha mudança de perspectiva foram-me surgindo várias citações que me deixam mais tranquila e me mostram que estou no caminho certo:

“Noventa por cento das informações são inúteis, nunca serão utilizadas ou mesmo recordadas.”
Augusto Cury

“Na busca dos saberes cada dia alguma coisa é acrescentada. Na busca da sabedoria cada dia alguma coisa é abandonada.”
Tao Te Ching

“Não precisamos ter conhecimento intelectual para evoluir, pois algumas pessoas não sabiam sequer ler ou escrever, mas possuíam uma grande sabedoria interior.”
Dulce Regina

Procuro despir-me do que aprendi.
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
e raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,
Desencaixotar minhas emoções verdadeiras.
Desembrulhar-me e ser eu, não Alberto Caeiro,
mas um animal humano que a natureza produziu.
Mas isso (triste de nós que trazemos a alma vestida!),
isso exige um estudo profundo,
uma aprendizagem de desaprender...
Alberto Caeiro


E na sequência do que considerava um problema, acabei por encontrar uma perspectiva que para mim faz tanto sentido: saber e sabedoria são coisas muito distintas. Tendemos a acreditar que acumular conhecimentos é sinónimo de sabedoria, mas não é verdade. Pode ajudar, mas não é condição fundamental. E se alguém me perguntar se prefiro ter muita sabedoria ou muitos saberes não sentirá qualquer hesitação na minha resposta, se o meu cérebro está mais ou menos atulhado de informações mais ou menos (in)úteis (podemos sempre encontrar informações nos mais variados locais), não me preocupa muito, mas, em contrapartida, preocupa-me o facto de estar ou não a aumentar a minha sabedoria, e nisso sim eu gostaria de investir, e gostaria de ter sempre a capacidade, e o privilégio, de em cada momento da vida aprender mais alguma coisa e ficar um pouquinho mais sábia.


(Imagem: Fotografia Olga Correia)

Wednesday, July 19, 2006

 

Tempus Fugit















Como fugir ao domínio destes ponteiros?
Implacáveis, rigorosos, sem clemência…
Tic, tac, tic, tac, tic tac, sem parar… E tão depressa…
Como arranjar mais tempo para tanto que se quer fazer?

Como aproveitar cada segundo sem se arrepender?

E se a todos recolhêssemos e lhes abrandássemos o ritmo?
Ou aumentar-lhes o número de segundos por minuto?
Ou lançá-los todos ao mar para se desintegrarem?

Só disparates, eu sei, mas…
Preciso, urgentemente, de encontrar uma solução!...


(Imagem: Salvador Dali, The Persistance of Memory)

Sunday, July 16, 2006

 

O Alimento Vital


Embora os tempos sejam essencialmente de egoísmo, de materialismo, de cada um por si e salve-se quem puder, ainda há histórias tocantes de solidariedade e amor ao próximo.

Passou-se com um casal amigo dos meus pais, e só há pouco tempo tive conhecimento do episódio que me emocionou e me levou a ter por eles uma grande admiração.

A mulher da história é distribuidora de peixe, e a dada altura, de tão repetidamente se dirigir ao mesmo local de abastecimento, começa a reparar num velhinho que por ali anda a pedir uma moedinha para comer uma sopa e com sacos de plástico dentro das botas a fazer de meias. Começam a conversar. Ela começa a trazer-lhe comida todos os dias. Tornam-se amigos. Quando ela ficou grávida ele não mais a deixou carregar ou descarregar coisa alguma, ajudava no carregamento e enquanto ela fazia a volta de distribuição ele arranjava boleia para estar no final do percurso e ajudar a descarregar as caixas. Um dia pediu-lhe se o deixava tomar banho na sua casa, porque há tanto tempo não sabia o que isso era. Ela enterneceu-se e decidiu levar o velhinho para viver com eles. Enfrentaram muitas críticas, muitas tentativas de dissuasão, muitos alertas amedrontadores… mas tudo ultrapassaram com determinação. “Eu fiz o que me mandava o meu coração”, diz ela. E o velhinho ficou a viver com eles. Tinha uma magra pensão de que eles não se queriam servir, nem para alimentação, nem para roupas, nem para médicos ou medicamentos. E o velhinho juntou o dinheiro e comprou-lhe um fio de ouro, com uma medalha. Passaram-se dezasseis anos do mais salutar e amoroso convívio, sendo o velhinho uma presença marcante para os dois filhos do casal, ajudando, inclusivé, a tratar do mais novo quando nasceu. A única coisa que este homem pedia a Deus, repetidamente lho dizia, era que na recta final não precisasse de dar muito trabalho àquela mulher que tão generosamente o acolheu. E Deus atendeu as suas preces, quando o momento se aproximou, sentado a aconchegar a lareira da família, ele chamou a mulher que estava por perto e disse-lhe: - Eu adoro-te!... E no momento seguinte se foi.

Esta mulher ainda hoje usa o fio de ouro com a medalha, e os olhos rasos de água revelam a ternura e a saudade quando fala dele. Diz que se tivesse oportunidade fazia tudo de novo.

Abençoada seja por ser uma luz para o mundo.


(Imagem: Fotografia Olga Correia)

Saturday, July 15, 2006

 

Do I Ching: Mudar

Não resisto.
Encontrei este livro ontem: Mudar é possível - Do I Ching, ArtePlural Edições.






Wednesday, July 12, 2006

 


Recomeça...
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar
E vendo,
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

Miguel Torga

(Imagem: Fotografia Olga Correia)



Saturday, July 08, 2006

 

Nem sensibilidade nem bom senso



Pela recente reabertura da Praça de Touros do Campo Pequeno, porque se aproxima a temporada propícia e se espalham por aí como cogumelos, e porque alguém outro dia me aguçou de novo a revolta, cá vai, a temática de hoje é a tourada. E a frase que me fez entrar em ebulição: “O … acha que os touros até gostam.” Ah, eu também acho! Acredito até que não devem ter sonhado com outra coisa a vida inteira!

E isto faz-me confusão. Muita mesmo. Tenho muita dificuldade em compreender como é que se pode gostar de ver um desgraçado de um animal a ser continuamente espetado, com urros de glória e aplausos de herói, e tantas mais palmas quantas mais farpas e quanto mais sangue jorrar e escorrer pelo negro do seu dorso. Pura crueldade. Puro acto de tortura. Com que objectivo? Entreter e encantar o público insensível e não pensante. Porque se fosse sensível não poderia concordar, assistir, e muito menos ter qualquer prazer com a tortura de um ser vivo. E se fosse pensante, já teria parado para tentar perceber porque se regozija tanto em assistir a tal acto de humilhação e de sofrimento.

E ninguém me convence com essa tanga da tradição. Por algum motivo nós fomos dotados de alguns neuroniozitos, talvez fosse bom darmos-lhes algum uso de vez em quando e começar por perceber que nem tudo o que é tradição é bom. A escravatura também já foi tradição durante muito tempo, os autos-de-fé também foram tradição, e por acaso também juntavam às centenas nas praças a deliciarem-se com a visão das pessoas a serem queimadas, com o cheiro dos corpos humanos assados, com os gritos de dor. Muitas outras atrocidades foram cometidas em nome da tradição.

E em pleno século XXI as praças ainda se enchem de delírio perante o massacre. E há honras de banda para cada ferro bem metido. E se o animal foi bem torturado, se ficou bem cravejado de ferros às bandeirinhas coloridas a rasgar-lhe os flancos, então o autor do glorioso feito tem direito a honras de pé, a palmas estrondosas, a congratulações entusiasmadas, a flores… Exige-se a tortura. Glorifica-se o torturador. Recompensa-se o sangue com as flores.
Isto faz algum sentido?
Com que direito se faz isto aos animais? Em nome de quê? Não têm eles o mesmo direito à vida, e à liberdade, e ao bem-estar? Supostamente nós deveríamos ser animais racionais, com algumas qualidades superiores às deles, e no entanto os animais não torturam por prazer e só atacam por medo ou necessidade. Qual é o medo ou necessidade, bem escondido lá no fundo, que faz com que seres humanos se comportem desta maneira?


(Imagem: Francisco de Goya, Picador Atingido pelo Touro)

Saturday, July 01, 2006

 

Dos padrões, dos estereótipos, da tradição, das imposições sociais, chamem-lhe o que quiserem...



Descobri um destes dias que usar puxinhos (ou rabichos ou totós, ou o que for) depois dos trinta pode ser considerado crime. Ainda não percebi bem de que tipo. De lesa-sociedade, ou lesa-tradição, ou lesa-mentes estagnadas num século qualquer… Não sei. É que eu tenho de confessar a minha ignorância nesta matéria, nunca vi escrita em lado nenhum esta regra básica de vida. Talvez porque não sou fã de livros de etiqueta e não li a Bíblia toda. É lá que se encontram citados os preceitos a seguir, certo? Ou é em algum outro lugar que desconheço?

E já agora, outra confissão, mesmo que o tivesse visto escrito em algum lugar de mérito reconhecido, o mais provável era continuar a não cumprir. Por uma razão muito simples, não percebo a sua lógica. Não consigo entender porque é que quando se é criança ou adolescente se pode apanhar o cabelo com dois elásticos mas depois a partir de certa altura (obviamente eu não sei qual) já só se pode atar o cabelo com um elástico. Só me ocorre uma razão, poupar elásticos. Não consigo encontrar mais nenhuma. Se alguém, algum dia, me conseguir explicar a lógica disto, eu talvez entenda e talvez até adira, enquanto isso, os padrões que eu seguir serão os que se identificam comigo, aqueles em que eu acredito, não aqueles que a sociedade me impõe.

E em termos de regras sociais, para mim reduzem-se todas a uma. Como Jesus reduziu todos os mandamentos ao amor, eu reduzo todas as regras de convivência ao respeito. E esse preceito eu sigo por convicção bem forte.

Não consigo ter o mais leve vislumbre de que forma é que usar dois elásticos em vez de um pode desrespeitar alguém, mas ainda assim, peço desculpa a quem se sentir desrespeitado pelo que considera ser o meu desrespeito pelas regras sociais. Mais não posso fazer. Não vou deixar de ser quem sou, não tenho “horas” para começar ou deixar de fazer ou usar o que quer que seja só porque fica ou não fica bem. Diz quem???


(Imagem: Lydia Monks, Hair)

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