Friday, March 16, 2007

 

Fotoreportagem: Momentos da vida de um Gervásio com problemas existenciais






Gervásio é um ser pacato. Toda a sua vida foi vivida no mesmo lago, nunca conheceu outra realidade.








A mesma vegetação, os separadores de sempre, os companheiros de todos os dias…








Mas Gervásio era muito diferente de todos os seus companheiros. E toda a vida sentiu o peso dessa diferença. Até fez esforços vários para se integrar, para partilhar dos interesses do grupo, mas não havia maneira, as conversas triviais, os objectivos básicos de sobrevivência na matéria, a acomodação aos limites estreitos, eram algo que ele tinha muita dificuldade em aceitar.
Ele sonhava com outros horizontes, queria perceber o sentido da vida, queria falar sobre a comunhão com a existência, sobre questões do espírito, sobre a alma do homem e do mundo, queria… tanta coisa que não cabia nos limites daquele lago e das personalidades dos restantes habitantes.





Tentou várias vezes comunicar as suas visões, os seus ideais.
“Hei!... Amigos!... Tenho algo tão importante para vos dizer!...”










Em vão. Sentia-se como Santo António a pregar aos peixes.





Muitas vezes lhe ocorreu partir em busca de novas paragens. A sua vida ali não fazia sentido. Sentia-se um estranho em terra estranha. Um inadaptado. Um patinho feio, não tanto pelo seu aspecto mas sobretudo pelas suas ideias, pela sua forma de estar, pelo seu querer ir mais fundo, mais alto, mais longe…







Nos seus momentos de maior desespero considerou a hipótese de partir sozinho, ir em busca dos seus sonhos, encontrar quem partilhasse dos seus ideais.




Mas Gervásio tinha um problema muito grande, era totalmente aprisionado pela cobardia, pela falta de coragem de lutar por aquilo em que acreditava, para partir sozinho, para se aventurar assim tanto, tão fora dos limites todos, tão contra a tradição, tão afastado da segurança do grupo…





E neste dilema existencial sabia, sentia, inequivocamente, que estava estagnado, meramente a vegetar, completamente a desperdiçar a sua vida. Não é que não soubesse o que devia fazer, oh, ele sabia sim. Essa etapa já estava ultrapassada. É que simplesmente não se decidia a fazer o que sabia que tinha de ser feito.
Mas há momentos na vida em que se percebe que se chegou ao limite. E Gervásio estava num desses. Sabia que não podia continuar assim. Sabia que tinha de mudar. Sabia que qualquer coisa seria melhor do que aquilo.




Estava cheio de medo do desconhecido, dos desafios, dos resultados, mas sabia que era a hora da mudança. Veio-lhe à memória (bem a propósito) uma frase que ouvira há muito tempo atrás: “Coragem não é não ter medo, é avançar apesar do medo”. E inspirado no que considerou ser um sinal confirmatório, tomou a decisão definitiva. É agora, pensou, vou mudar de vida. Decidiu entregar-se ao plano da entidade divina que tudo cria.




Despediu-se dos seus companheiros de lago mas não de alma. Consideraram-no louco, claro, mas Gervásio já não estava no estádio dos que se importam com a opinião dos outros mas apenas com o que lhe dita o seu coração e a sua voz interior.






Partiu. E não tardou a encontrar companheiros de ideais e a sentir-se profundamente realizado. Só não consegue ainda compreender muito bem porque demorou tanto tempo para tomar uma decisão tão simples e que o faz tão feliz.


(Imagem: Fotografia Olga Correia)

Wednesday, March 14, 2007

 

2 a 2: Pelo caminho... cogumelos

(Fotografia Olga Correia)

Friday, March 09, 2007

 

A lição das bolotas


Numa das minhas caminhadas fiquei encantada com umas bolotas coloridas. Saquei da máquina, como sempre acontece quando algo me chama, centrei as bolotinhas, e tentei fotografá-las. Tentei só, porque não consegui. Por mais que tentasse não conseguia que ficassem focadas. À vigésima tentativa (sim, sou persistente) pensei: OK, última vez, se não der é porque não tinha de ser. Não deu. Então afastei o foco das duas bolotas pretendidas e fiquei com um belo cenário no visor, e sim, desta vez focado!

E neste contexto ocorreu-me mais uma lição de vida. Quantas vezes nós fazemos com tantas coisas o que eu fiz com as bolotas. Eu insistia em focar só duas, obstinadamente e obsessivamente insistia em fotografar só aquelas. E apesar de eu insistir em ter só duas o Universo queria dar-me mais, e eu continuava a negar: Não, obrigada, só quero estas duas. E quando, vencida pelo cansaço, cedi a ampliar o campo de visão pude desfrutar de uma cena ainda mais bonita. Como na vida. Quando nos permitimos desapegar das nossas fixações estamos prontos para receber muitas bênçãos inesperadas, muitas vezes muito melhores do que as que tínhamos pedido ou imaginado, ou do que aquelas a que nos tínhamos agarrado.

Eu até já aprendi esta lição há muito tempo, mas às vezes esqueço-me. Ainda bem que o Universo arranja forma de me lembrar de vez em quando.

(Imagem: Fotografia Olga Correia)

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