Monday, August 28, 2006

 

A gaveta do mistério



Houve uma frase que me chamou hoje e que me fez parar para pensar. É de Osho e era suposto estar a indicar-me o tipo de energias que me estão a afectar e de que não estou consciente. “A vida não é uma empresa para ser gerida, é um mistério para ser vivido.” Certo, pensei, eu acredito nisso, sempre acreditei, sempre considerei a vida o maior dos milagres, o mais valioso dos tesouros. Sempre achei que lhe dava o valor merecido e que a sabia viver, aproveitando cada momento, interagindo com a natureza, com os outros, com Deus… Isto terá alguma coisa a ver comigo? Estarei de alguma forma a tentar gerir a vida como uma empresa? A querer controlar e encaminhar as coisas à minha maneira? Eu que até nem gosto de tentar controlar acontecimentos nem influenciar situações ou condicionar o que quer que seja porque acredito que o universo encaminha tudo da forma certa sem a minha interferência… Isto está a tentar dizer-me alguma coisa?

E cheguei a uma conclusão depois de algum matutar sobre o assunto (não é à toa que lhe chamam tendências inconscientes). Acho que a nível emocional e espiritual encaro a vida como um mistério, uma dádiva, com abertura ao fluir da vida, mas ao nível intelectual tenho andado a tentar organizar e catalogar emoções, acontecimentos, situações, mensagens, etc. como se tivesse um grande armário mental com várias gavetas rotuladas onde cada coisa tivesse de ser encaixada. Isto vai para a gaveta do preto ou do branco? Do bom ou do mau? Do que acho que sim ou do que é melhor não? E há coisas que não cabem em gavetinhas bem organizadas e etiquetadas, há coisas que me ficam nas mãos sem eu saber onde colocar. E aqui está o meu erro, querer colocar tudo no seu compartimento devidamente identificado.

E então percebi como a frase se aplicava a mim como uma luva. Não estava a querer controlar mas estava a querer classificar. Também não dá. Pelo menos não sempre. Pelo menos não sempre no momento em que gostaríamos. E percebi também o que tinha de fazer, deixar de ter gavetas, ou então criar uma gaveta extra, bem grande, maior do que as outras, com o título “Mistério” onde se pode colocar tudo o que não cabe em nenhuma das outras, tudo o que parece caótico e sem nexo e ainda assim tão real. Porque nem tudo tem de ser gerido, identificado e percebido. Há coisas que simplesmente temos de aceitar com todo o seu mistério, talvez mais tarde se revele a sua natureza e o seu propósito, ou talvez não, mas enquanto isso é melhor não gastar energia a tentar enquadrá-las no contexto de uma gaveta pré-etiquetada.

Porque há coisas que não são pretas nem brancas mas uma das tonalidades de cinzento intermédias. E há outras que podem até parecer cinzentas mas são um arco-íris disfarçado, e quando chegar o sol, no momento certo, elas revelar-se-ão.

Portanto, para “viver o mistério” não se trata apenas de o aceitar emocionalmente e espiritualmente, é necessário também abrir mão da necessidade de classificar o que nos chega e colocar no que achamos que é a respectiva gaveta. Melhor mesmo era abdicar de toda e qualquer gaveta. Liberdade total.


(Imagem: Fotografia Olga Correia)

Comments:
Eu acho que a vida se torna mais "fácil" se encararmos a existência do "cinzento". A complexidade que nos rodeia não permite reduzir tudo ao branco ou preto. Ideal seria a total inexistência de gavetas, mas isso já me parece mais complicado :)
Obrigado pela visita. Voltarei a este espaço!
 
Engraçado... Eu podia ter escrito este texto... Apesar de já ter identificado "o problema" há muito tempo, continuo a ter uma tendência assustadora para deixar que o meu lado intelectual "domine".
 
Tiago Franco: Benvindo!
Estamos de acordo, encarar a existência do cinzento é inevitável. E deixarmo-nos da necessidade de etiquetar qual exactamente é o tom de cinzento também. Isto é, nem sempre temos de saber a que categoria específica pertence cada coisa, às vezes é mais importante simplesmente aceitar que existe.
Portanto, já são dois votos a favor da abolição da escravatura das gavetas...
:)

Rosa: Pois é...
Quantos "problemas" nós identificamos e sabemos que nos são prejudiciais e ainda assim continuamos a deixar que isso aconteça... Mas ter consciência disso já não é mau, a seguir vem o resto. Esperamos, não é?
E já agora podíamos também propor a abolição do pensamento, Osho e muitos outros aplaudiriam, dizem que só quando silenciamos a mente começamos a viver verdadeiramente.
Um sorriso para ti.
 
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