Saturday, May 26, 2007

 

Se eu pudesse...




Várias conversas e situações me surgiram nos últimos dias que me levaram a desejar profundamente ter uma varinha de condão… Uma varinha que concedesse o dom da visão, da consciência, do sentir (não só com os cinco sentidos físicos mas com os outros todos)… Concederia a todos os seres a capacidade de reconhecerem a sua própria divindade.

A grande questão, na minha perspectiva, é a relação que cada um tem ou não com o divino. Há os que não a têm, ou a têm enfraquecida, pelos mais variados motivos. Há os que a “têm” e afirmam categoricamente mas de teoria, de boca, de mente, e não de coração. E depois há os que se deixaram tocar de verdade e se predispõem a viver em sintonia, e esses não precisam de o afirmar, há uma luz à sua volta que não deixa margem para dúvidas.

Para os afirmadores categóricos a bíblia é o elo de ligação. Se lá está escrito torna-se uma verdade inquestionável. E estática. Já nem vou referir-me à forma como a mensagem pode ter sido adulterada das mais variadas maneiras ou interpretada das formas mais descontextualizadas ao longo dos tempos. Ainda que tudo se tivesse mantido tal como tinha sido inspirado, isso aconteceu num contexto específico, há cerca de dois mil anos. Os tempos mudaram. As questões transformaram-se. Os problemas já não são os mesmos. Ficar rigidamente agarrado à letra em vez de à essência da bíblia o que é que nos mostra? Que não soubemos compreender a mensagem, que não temos flexibilidade, que não sabemos actualizar as lições e aplicá-las à nossa realidade… Mas o que eu considero o pior de tudo é que se ficamos obstinadamente e cegamente agarrados a uma mensagem que foi transmitida há dois milénios é porque consideramos que Deus deixou de nos enviar mensagens desde essa altura. Por que motivo teria Deus silenciado durante tanto tempo? Com que lógica? Se nos falou antes, por que não nos falaria agora? Será que fomos nós que nos tornámos surdos às suas linguagens?

Se conseguíssemos perceber que ele não ficou lá atrás mas que nos acompanhou sempre, então, veríamos com toda a naturalidade que ele continuasse a enviar-nos mensagens das mais variadas formas. Passaríamos a encarar a bíblia como um livro de mensagens divinas muito importantes mas que não é o único.

Os que ficaram agarrados a uns quantos preceitos passados de geração em geração, a rituais perpetuados (que muitas vezes não são compreendidos nem verdadeiramente sentidos), acreditam também que rezar é obrigatório, na maior parte dos casos repetindo as mesmas orações, dia após dia, ano após ano, até que chegue a sua hora e não mais as possam repetir. E sempre que tenho oportunidade de os ouvir apercebo-me de como se trata de um acto unilateral. Rezar é uma forma de comunicar com o divino, e para que qualquer acto de comunicação seja eficaz é preciso que se saiba falar, mas também ouvir. Se assim não for, tratar-se-á de um monólogo, e perde-se a oportunidade de crescer com a interacção. Por isso, na minha perspectiva, rezar não é só repetir coisas que outros nos disseram para repetir mas é ter uma conversa com um amigo. E este meu Amigo, e Amigo de todos os que o quiserem aceitar como tal, usa muitas linguagens para contactar com cada um de nós, e podem ser as mais diversas e inesperadas. Muitos são os sinais, só precisamos de estar dispostos a ouvir. Se estivermos receptivos Ele tem muito por onde escolher. SE estivermos receptivos…

E aqui lembro-me outra vez de como gostava de ter a tal varinha mágica. Desobstruiria os corações, os canais de recepção, e ficávamos todos com acesso directo a Deus, relação íntima, pessoal e actualizada com a nossa fonte divina, sem intérpretes nem intermediários. Isso é que era um fenómeno, ficávamos todos iluminados.

E os muitos que ainda me dizem que precisam de referências, de santos, de padres, de mestres, de serem guiados, orientados, etc., ficariam livres, fortes, e conscientemente eles próprios também divinos.

Até concordo, mas só em parte, que alguma orientação seja necessária numa fase inicial, mas só até ao ponto em que cada um consiga encontrar a sua relação directa com Deus, o seu próprio mestre. O mestre interno. Assim, os que fossem verdadeiramente mestres teriam como missão não a de reunir grandes legiões de seguidores mas a de ajudar cada vez mais pessoas a serem livres e mestres de si próprias, a relacionarem-se directamente com a Fonte, a encontrarem o seu próprio caminho e a sua origem e vivência divinas.

Que me perdoem os muitos e bons santos e mestres que poderão andar por aí e que talvez não estejam de acordo comigo. Poderei reconhecer-lhes a sua sabedoria (se a aplicarem na sua vida, não se apenas se ficarem pela verborreia que querem vender aos outros sem saber como funciona na prática), mas não poderei seguir ou tornar-me devota (exclusiva) de nenhum. Com toda a humildade aprenderei com cada um deles o que tiver a ensinar-me, ficarei feliz por essa aprendizagem e agradecer-lhes-ei, mas não lhes concederei o poder de conduzirem a minha vida ou a minha alma. Esse poder só a Deus entrego.


E para completar este conjunto de sincronicidades, que remetiam para a mesma temática, veio ter comigo este excerto:

"Não acrediteis numa coisa apenas por ouvir dizer. Não acrediteis na fé das tradições só porque foram transmitidas por longas gerações. Não acrediteis numa coisa só porque é dita e repetida por muita gente. Não acrediteis numa coisa só pelo testemunho de um sábio antigo. Não acrediteis numa coisa só porque as probabilidades a favorecem ou porque um longo hábito vos leva a tê-la por verdadeira. Não acrediteis no que imaginastes, pensando que um ser superior a revelou. Não acrediteis em coisa alguma apenas pela autoridade dos mais velhos ou dos vossos instrutores. Mas, aquilo que vós mesmos experimentastes, provastes e reconhecestes verdadeiro, aquilo que corresponde ao vosso bem e ao bem dos outros - isso deveis aceitar, e por isso moldar a vossa conduta." BUDA


(Imagem 1: Grant, See!
Imagem 2: Catherine Andrews,
The Blessings
Imagem 3: Ernest E. Varner LI, Good Morning Lord)


Saturday, May 19, 2007

 

O Valor da Liberdade - Tertúlia no Oceanário






Os visitantes vêm e vão. Mas eles não.
De fora parece o paraíso. E por dentro?




Um zoom numa atitude mais atenta revela-nos um cenário não muito pacífico.
Parece que tudo começou por causa de Ambrósia, uma raia descontente e inquieta que começou a pôr em causa a vida por estas bandas.


Ambrósia – Que marasmo! Não aguento mais. Já conheço cada milímetro deste local, já fiz tudo o que podia fazer para me esquecer que sou uma prisioneira aqui, e agora tenho de admitir para mim mesma e para quem me quiser ouvir que estou completamente frustrada e revoltada. Quero ser livre! Quero sair desta jaula artificial e partir para o mundo real.





Irmãos Zacarias – Como é que é isso? Queres dizer que isto não é verdadeiro? Tás a gozar!?!

Ambrósia - Oh, meus queridos, a ignorância às vezes até pode ser uma bênção…






Turma dos repetentes - Será que temos do que reclamar? Temos quem nos alimente, quem cuide de nós se ficarmos doentes…

Ambrósia – Referem-se, com certeza, à nossa doença física, porque essa eles podem ver e tentar cuidar. Mas e a doença da nossa alma, como podem curá-la? Dizem-me?

Turma dos repetentes - Lá estás tu com teorias!... Mas qual doença de alma?!? Isso é alguma coisa que se veja? Que se cheire? Andas a ver muitos filmes, isso é que é!

Ambrósia - E vocês andam com uma venda nos olhos para se tentarem enganar a si próprios. Acham então que só porque nos dão comida e cuidados de saúde já temos tudo para sermos felizes?...

Turma dos repetentes - Claro! Claro como água! Se estiveres de barriguinha vazia por acaso consegues ser feliz?

Ambrósia - Consigo, se tiver outras coisas que para mim são muito mais importantes.

Turma dos repetentes - Ah, sim? Que interessante! E que coisas são essas, pode saber-se?

Ambrósia - Pode. Apesar da vossa ironia, eu vou dizer. Se não tiver LIBERDADE, a garantia de ter a barriga cheia pelo resto dos meus dias não me dá qualquer felicidade. A liberdade é um direito, consagrado em muitos livros de leis políticos e religiosos mas sobretudo nos livros das leis da natureza e da vida.

Turma dos repetentes - Olha, olha, agora deu-lhe para a poesia!!! Ou deveríamos dizer para a lamechice? Isto promete!


Tubas – Pois eu estou completamente de acordo. Estar aqui preso, entre estes vidros ou estas redes ou estes muros (conforme a nossa espécie), lembra-me constantemente que não estou a cumprir aquilo para que fui criado. Eu devia ser livre, eu devia estar no meu habitat natural. Isto aqui é uma prisão de plástico, até a água é “fabricada” artificialmente para se parecer com a do mar. Mas, meus amigos, parecer está a anos-luz de ser.

Ambrósia – Exacto! A verdade é que estamos aqui presos, e nem sequer cometemos crime nenhum. Estamos a viver uma mentira. Estamos a ser manipulados. Estou revoltada! E a cada dia que passa fico mais indignada!





Tico e Teca – Olhem, cá no nosso ponto de vista, desde que tenhamos onde dar umas beijocas, tudo bem.

Ambrósia - Só podem estar a brincar! É só isso que vos interessa? Como é possível?! Ok, ok, como queiram, vocês é que sabem.





Leoplodo – Eu também acho que é indecente estarmos aqui encurralados. Era suposto que a humanidade estivesse a evoluir, certo? E evoluir significa reconhecer o direito à existência e à liberdade de todos os seres, independentemente de raça ou espécie. Certo? Digam-me! Estou certo ou não?

Ambrósia – Claro que estás certo. Temos o direito de fazer as nossas próprias escolhas, de seguir o nosso próprio caminho. E que opções temos nós aqui? A de nadar para a parede direita ou para a esquerda? Para mim é pouco, muito pouco. Eu sou do mar, um sítio onde não há paredes, onde não me controlam, condicionam, inibem, restringem… E eu passo todos os meus dias a sonhar com essa imensidão…

Leopoldo - E em nome de quê? De servir de figurino? De amostras em exposição? Podem embalsamar o meu corpo quando já não tiver vida, não me importo, mas roubar-me a vida enquanto supostamente ainda estou vivo, não me parece justo. Parece-me degradante, aviltante, um desrespeito total.


Tobias – Nem mais. Precisamente o que eu acho. E não me venham com essa treta de que até nos tratam bem ou que os humanos, coitadinhos, têm o direito de saber que nós existimos e como comemos e quais são os traços dos nossos olhos. Quer isto dizer que para eles terem o direito ao conhecimento nós deixamos de ter o direito à vida, ou a uma vida digna? É que a liberdade de uns acaba onde começa a liberdade dos outros, certo? As pessoas costumam dizer isto muitas vezes, mas pelos vistos pensam que só se aplica num sentido, quando a sua própria liberdade é ameaçada, não se lembram que de muitas maneiras também elas coarctam a liberdade dos outros.

Ambrósia - Talvez fosse mais fácil de perceber (porque quando nos pomos no lugar do outro as coisas mudam completamente de perspectiva) se se imaginassem eles próprios fechados numa jaulinha, ainda que rodeada de cuidados, se se sentissem expostos e aprisionados sem a menor possibilidade de fazer as coisas de que gostam, ir onde lhes apetecer, ter privacidade, viver a sua própria vida, etc,etc,etc. A questão é que aqui não temos qualquer alternativa, percebem? Não é preciso fazer nenhum desenho, toda a gente sente na pele o jugo aprisionante. Só que há os que se acomodam, pelos mais variados motivos, e os que sonham em ter uma situação diferente.

Tobias - Na verdade, se pensarmos bem, até entre os humanos, muito poucos são os que conseguem ser verdadeiramente livres. Andam amarrados a leis (aos milhares delas), a regras, a regulamentos… e, se calhar, não seguem a mais importante de todas, a do coração e da consciência. Se cada um soubesse RESPEITAR o próximo (e a si mesmo), saberia sempre onde terminava o seu espaço e começava o do outro. Viver-se-ía sem conflitos, em harmonia, em paz. Até se dispensavam os agentes da lei e da ordem porque não haveria necessidade de impor regras externas muito menos de haver vigilantes para as fazer cumprir. Este era o meu ideal.
Ok, eu sei que estou a divagar, mas ainda posso sonhar, não posso?


Loca - Ingratos é o que vocês são. Têm tudo de borla, casa, comida e cuidados médicos, não têm de trabalhar, e ainda se queixam.

Ambrósia - Chama-lhe o que tu quiseres, mas a verdade é que nada disto é de borla como tu dizes. Isto é tudo pago, e a peso de ouro. E isto é força de expressão porque o que tu dás em troca vale muito mais do que o ouro, vale a tua própria vida. Não creio que isso compense o facto de não precisar de trabalhar.




Lilis - Olhem, nós estamos satisfeitas, temos aqui o que é mais importante para nós, quem nos cuide da beleza, do visual diáfano e atraente que tanto nos caracteriza. Desde que estejamos bonitas estamos felizes.

Ambrósia - Por favor digam-me que estão a brincar!...





Figu – Pois eu acho que não há nada como a liberdade. Perguntem a algum desses pássaros que “enfeitam” por aí as muitas varandas numa caixinha minúscula o que pensam sobre a liberdade. Nem que fosse de pedras preciosas e tivessem todas as regalias do mundo trocariam pela sensação de pousar em qualquer árvore, fazer surf com o vento e visitar todos os céus. Digamos que esta coisa aqui seja apenas uma gaiola um pouco maior, mas o efeito é igual, a mesma prisão, a mesma asfixia, a mesma espécie de morte em vida. Até a expressão idiomática frequentemente utilizada “ser livre como um pássaro” deixou de fazer sentido.

Ambrósia – Parece-me que ainda há muito a aprender sobre a liberdade. Ser livre não é só fazer o que apetece ou dá prazer, é fazer o que se acha certo, tendo em conta não só os nossos interesses ou gostos mas especialmente tendo respeito por nós, pelos outros e pelo divino. É agir com responsabilidade e amor. Mas tendo e dando o direito de opção.

Figu – Sabem, eu até posso compreender que pensem que estão a fazer bem, e até acredito que nos amem. Mas, se nos amam, por que nos prendem? Se nos amam, por que nos roubam a felicidade? Se nos amam, por que nos desrespeitam?

Ambrósia – Tens toda a razão, meu amigo. Tenho esperança de que vão ganhando consciência. E já que até há quem não se importasse de ficar por cá, nem precisavam de abdicar deste espaço, apenas deixar ficar quem quer ficar e deixar partir quem quer partir. Respeitando e dando liberdade.

Aplausos. Muitos. Houve concordância por unanimidade.


(Imagem: Fotografia Olga Correia)



Tuesday, May 15, 2007

 

Diário de uma flor silvestre




Local: um campo, entre tantos campos
Data: uma Primavera, como tantas outras


Hoje esteve um dia bom. Cheio de sol. Cheio de aromas primaveris. Cheio de chilreios felizes… mesmo como eu gosto.

Mas no meio desta alegria geral, uma tristeza: uma despedida, abrupta, involuntária, algo agressiva.

Estávamos nós numa paz tranquila e amena, a saborear a nossa existência, quando apareceu uma figura humana, resoluta e apressada, olhando para um lado e para o outro, como se estivesse à procura de alguma coisa. E estava, ao que parece. Estava à procura de flores cuja vida bela e frágil pudesse ceifar. Não com sensibilidade e reverência como quem sabe apreciar a ternura de uma flor e a quer levar para presentear a pessoa amada, mas com indiferença e descaso, revelando a sensibilidade de uma retroescavadora.

E lá se foram, deste modo pouco digno, alguns dos meus companheiros, malmequeres e papoilas.

Foi uma cena triste. Senti o desrespeito com que eram tratados como se fosse no meu próprio caule, nas minhas próprias pétalas. E senti o desespero da impotência de nada poder fazer. Ainda lhe gritei, esfacelei a voz a tentar chegar àquela pedra humana, mas nada consegui. Restou-me apenas a revolta. E depois da revolta a resignação. E depois da resignação a aceitação. E depois da aceitação a aprendizagem. E depois da aprendizagem o crescimento e a paz.

Percebi que a vida é cíclica, que tudo o que nasce também morre e que tudo o que morre virá a renascer, para um novo ciclo, numa forma mais avançada.

Percebi que a morte (qualquer que ela seja) não é um fim mas um novo princípio, uma nova oportunidade de crescer e evoluir.

Percebi que o que verdadeiramente importa na nossa vida não é quando ou como acaba mas a forma como foi vivida.

Percebi que nem sempre as pessoas são como nós gostaríamos que elas fossem mas que temos de as aceitar como são, porque o seu percurso está, de alguma forma, ligado ao nosso e não foi por acaso que as atraímos, alguma coisa temos de aprender com elas, se não mais pelo menos a aceitação e a convivência pacífica com a diferença.


E pronto, por hoje chega de emoções e aprendizagens.
Amanhã é um novo dia. Vou tentar valorizá-lo o mais possível, vivê-lo como se fosse o último (nunca se sabe quando será), saboreá-lo intensamente, e quando chegar o meu momento irei com a paz, a felicidade, a realização, de quem viveu plenamente cada um dos dias que recebeu de presente.

(Imagem: Fotografia Olga Correia)

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