Saturday, May 19, 2007

 

O Valor da Liberdade - Tertúlia no Oceanário






Os visitantes vêm e vão. Mas eles não.
De fora parece o paraíso. E por dentro?




Um zoom numa atitude mais atenta revela-nos um cenário não muito pacífico.
Parece que tudo começou por causa de Ambrósia, uma raia descontente e inquieta que começou a pôr em causa a vida por estas bandas.


Ambrósia – Que marasmo! Não aguento mais. Já conheço cada milímetro deste local, já fiz tudo o que podia fazer para me esquecer que sou uma prisioneira aqui, e agora tenho de admitir para mim mesma e para quem me quiser ouvir que estou completamente frustrada e revoltada. Quero ser livre! Quero sair desta jaula artificial e partir para o mundo real.





Irmãos Zacarias – Como é que é isso? Queres dizer que isto não é verdadeiro? Tás a gozar!?!

Ambrósia - Oh, meus queridos, a ignorância às vezes até pode ser uma bênção…






Turma dos repetentes - Será que temos do que reclamar? Temos quem nos alimente, quem cuide de nós se ficarmos doentes…

Ambrósia – Referem-se, com certeza, à nossa doença física, porque essa eles podem ver e tentar cuidar. Mas e a doença da nossa alma, como podem curá-la? Dizem-me?

Turma dos repetentes - Lá estás tu com teorias!... Mas qual doença de alma?!? Isso é alguma coisa que se veja? Que se cheire? Andas a ver muitos filmes, isso é que é!

Ambrósia - E vocês andam com uma venda nos olhos para se tentarem enganar a si próprios. Acham então que só porque nos dão comida e cuidados de saúde já temos tudo para sermos felizes?...

Turma dos repetentes - Claro! Claro como água! Se estiveres de barriguinha vazia por acaso consegues ser feliz?

Ambrósia - Consigo, se tiver outras coisas que para mim são muito mais importantes.

Turma dos repetentes - Ah, sim? Que interessante! E que coisas são essas, pode saber-se?

Ambrósia - Pode. Apesar da vossa ironia, eu vou dizer. Se não tiver LIBERDADE, a garantia de ter a barriga cheia pelo resto dos meus dias não me dá qualquer felicidade. A liberdade é um direito, consagrado em muitos livros de leis políticos e religiosos mas sobretudo nos livros das leis da natureza e da vida.

Turma dos repetentes - Olha, olha, agora deu-lhe para a poesia!!! Ou deveríamos dizer para a lamechice? Isto promete!


Tubas – Pois eu estou completamente de acordo. Estar aqui preso, entre estes vidros ou estas redes ou estes muros (conforme a nossa espécie), lembra-me constantemente que não estou a cumprir aquilo para que fui criado. Eu devia ser livre, eu devia estar no meu habitat natural. Isto aqui é uma prisão de plástico, até a água é “fabricada” artificialmente para se parecer com a do mar. Mas, meus amigos, parecer está a anos-luz de ser.

Ambrósia – Exacto! A verdade é que estamos aqui presos, e nem sequer cometemos crime nenhum. Estamos a viver uma mentira. Estamos a ser manipulados. Estou revoltada! E a cada dia que passa fico mais indignada!





Tico e Teca – Olhem, cá no nosso ponto de vista, desde que tenhamos onde dar umas beijocas, tudo bem.

Ambrósia - Só podem estar a brincar! É só isso que vos interessa? Como é possível?! Ok, ok, como queiram, vocês é que sabem.





Leoplodo – Eu também acho que é indecente estarmos aqui encurralados. Era suposto que a humanidade estivesse a evoluir, certo? E evoluir significa reconhecer o direito à existência e à liberdade de todos os seres, independentemente de raça ou espécie. Certo? Digam-me! Estou certo ou não?

Ambrósia – Claro que estás certo. Temos o direito de fazer as nossas próprias escolhas, de seguir o nosso próprio caminho. E que opções temos nós aqui? A de nadar para a parede direita ou para a esquerda? Para mim é pouco, muito pouco. Eu sou do mar, um sítio onde não há paredes, onde não me controlam, condicionam, inibem, restringem… E eu passo todos os meus dias a sonhar com essa imensidão…

Leopoldo - E em nome de quê? De servir de figurino? De amostras em exposição? Podem embalsamar o meu corpo quando já não tiver vida, não me importo, mas roubar-me a vida enquanto supostamente ainda estou vivo, não me parece justo. Parece-me degradante, aviltante, um desrespeito total.


Tobias – Nem mais. Precisamente o que eu acho. E não me venham com essa treta de que até nos tratam bem ou que os humanos, coitadinhos, têm o direito de saber que nós existimos e como comemos e quais são os traços dos nossos olhos. Quer isto dizer que para eles terem o direito ao conhecimento nós deixamos de ter o direito à vida, ou a uma vida digna? É que a liberdade de uns acaba onde começa a liberdade dos outros, certo? As pessoas costumam dizer isto muitas vezes, mas pelos vistos pensam que só se aplica num sentido, quando a sua própria liberdade é ameaçada, não se lembram que de muitas maneiras também elas coarctam a liberdade dos outros.

Ambrósia - Talvez fosse mais fácil de perceber (porque quando nos pomos no lugar do outro as coisas mudam completamente de perspectiva) se se imaginassem eles próprios fechados numa jaulinha, ainda que rodeada de cuidados, se se sentissem expostos e aprisionados sem a menor possibilidade de fazer as coisas de que gostam, ir onde lhes apetecer, ter privacidade, viver a sua própria vida, etc,etc,etc. A questão é que aqui não temos qualquer alternativa, percebem? Não é preciso fazer nenhum desenho, toda a gente sente na pele o jugo aprisionante. Só que há os que se acomodam, pelos mais variados motivos, e os que sonham em ter uma situação diferente.

Tobias - Na verdade, se pensarmos bem, até entre os humanos, muito poucos são os que conseguem ser verdadeiramente livres. Andam amarrados a leis (aos milhares delas), a regras, a regulamentos… e, se calhar, não seguem a mais importante de todas, a do coração e da consciência. Se cada um soubesse RESPEITAR o próximo (e a si mesmo), saberia sempre onde terminava o seu espaço e começava o do outro. Viver-se-ía sem conflitos, em harmonia, em paz. Até se dispensavam os agentes da lei e da ordem porque não haveria necessidade de impor regras externas muito menos de haver vigilantes para as fazer cumprir. Este era o meu ideal.
Ok, eu sei que estou a divagar, mas ainda posso sonhar, não posso?


Loca - Ingratos é o que vocês são. Têm tudo de borla, casa, comida e cuidados médicos, não têm de trabalhar, e ainda se queixam.

Ambrósia - Chama-lhe o que tu quiseres, mas a verdade é que nada disto é de borla como tu dizes. Isto é tudo pago, e a peso de ouro. E isto é força de expressão porque o que tu dás em troca vale muito mais do que o ouro, vale a tua própria vida. Não creio que isso compense o facto de não precisar de trabalhar.




Lilis - Olhem, nós estamos satisfeitas, temos aqui o que é mais importante para nós, quem nos cuide da beleza, do visual diáfano e atraente que tanto nos caracteriza. Desde que estejamos bonitas estamos felizes.

Ambrósia - Por favor digam-me que estão a brincar!...





Figu – Pois eu acho que não há nada como a liberdade. Perguntem a algum desses pássaros que “enfeitam” por aí as muitas varandas numa caixinha minúscula o que pensam sobre a liberdade. Nem que fosse de pedras preciosas e tivessem todas as regalias do mundo trocariam pela sensação de pousar em qualquer árvore, fazer surf com o vento e visitar todos os céus. Digamos que esta coisa aqui seja apenas uma gaiola um pouco maior, mas o efeito é igual, a mesma prisão, a mesma asfixia, a mesma espécie de morte em vida. Até a expressão idiomática frequentemente utilizada “ser livre como um pássaro” deixou de fazer sentido.

Ambrósia – Parece-me que ainda há muito a aprender sobre a liberdade. Ser livre não é só fazer o que apetece ou dá prazer, é fazer o que se acha certo, tendo em conta não só os nossos interesses ou gostos mas especialmente tendo respeito por nós, pelos outros e pelo divino. É agir com responsabilidade e amor. Mas tendo e dando o direito de opção.

Figu – Sabem, eu até posso compreender que pensem que estão a fazer bem, e até acredito que nos amem. Mas, se nos amam, por que nos prendem? Se nos amam, por que nos roubam a felicidade? Se nos amam, por que nos desrespeitam?

Ambrósia – Tens toda a razão, meu amigo. Tenho esperança de que vão ganhando consciência. E já que até há quem não se importasse de ficar por cá, nem precisavam de abdicar deste espaço, apenas deixar ficar quem quer ficar e deixar partir quem quer partir. Respeitando e dando liberdade.

Aplausos. Muitos. Houve concordância por unanimidade.


(Imagem: Fotografia Olga Correia)



Comments:
Adorei esta tertúlia, sobre a liberdade, sobre a vida.

Beijinhos :)
 
Venho aqui te fazer um convite,visitar meu novo espaço:

http://reacenderachamavioleta.blogspot.com/

Beijos de luz

SAUDADES DE TI!!!!
 
Mamaíta: Obrigada! :)

Chama Violeta: Lá irei! :)
 
Olá Olga!
Passei aqui há dias, mas não tive tempo de comentar, até porque os teus textos são sempre para ler devagar e reflectir com calma.
Agora chego cá (depois de ver o teu comentário, que agradeço) e vejo que já tens um post novo.
Mais uma vez, esse vai ficar para outro dia.

Quanto ao tema que aqui abordas, não sei qual o grau de frustração dos animais do aquário, por se sentirem confinados.
Mas é certo que os homens nunca se preocuparam muito com a sensibilidade das outras espécies, do mesmo modo que , em outros tempos, ignoravam a sensibilidade dos escravos e povos de outras raças.

Talvez (ouso esperar) que num aquário de grandes dimensões os animais sintam apenas ao de leve o confinamento. Mas fico indignada quando os vejo em locais muito mais reduzidos e uns em cima dos outros: é o caso dos pequenos aquários, das gaiolas de pássaros, dos aviários, dos locais de criação de porcos, vacas e por aí fora.

Isto é significativo da pouca humanidade dos seres humanos, que ainda têm um longo caminho a percorrer para serem realmente humanos.

Nesse sentido, apoio como posso as acções e campanhas das organizações dos direitos dos animais.

Ainda há dias houve uma mobilização de bloguistas, por causa da maneira como eram tratados os cães no canil de Beja. Parece que essa mobilização deu alguns frutos, pelo menos naquele caso concreto.

Mas há ainda tanta sensibilização a fazer, e, quando ela não chega, tanta indignação a mostrar...

Um beijinho grande para ti e bom fim de semana.
 
Margri:
Também não sei qual o grau de frustração dos animais em cativeiro, mas penso que consigo ter uma vaga ideia...
Na verdade, este texto era uma tentativa de conjugar 2 em 1, por um lado alertar para o respeito que devemos ter por todos os seres vivos, por outro era também uma espécie de metáfora da forma como vivem muitos seres humanos, acomodados às muitas prisões pelas mais variadas razões, por pura inconsciência (como os irmãos Zacarias), pelos prazeres físicos (como o Tico e a Teca), pela acomodação à tradição, às normas, ao grupo, à maioria (como a turma dos repetentes), por preguiça (como a Loca), pela vaidade e o culto da beleza física (como as Lilis), etc., etc., etc.

Concordo plenamente contigo, há ainda tanta sensibilização a fazer...
:)
 
Ainda cá volto:
Eu percebi que havia um sentido metafórico; mas pareceu- me que também se podia fazer uma leitura do teu texto no sentido mais literal, mais terra a terra.
E, como no momento em que fiz o comentário, estava certamente mais motivada para o segundo (que também é um problema bem real), optei por falar apenas desse.
Afinal, não é só a nossa liberdade que é importante.

Beijinhos.
 
Margri:
Podem fazer-se as duas leituras, e eventualmente mais, talvez tantas quantas as pessoas que lerem e os universos de referência de cada um...
Claro que percebeste o sentido metafórico, as tuas capacidades de análise e sensibilidade estão bem comprovadas ;) Apenas me apeteceu desenvolver um pouco essa questão.
:)
 
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