Wednesday, March 30, 2016

 

Para grandes males pequenos remédios


Ultimamente tenho ficado impressionada com a atitude dos portugueses nos supermercados, de saquinhos debaixo do braço, previstos, organizados… É lindo. Cada um com o seu, diferentes cores, tamanhos, proveniências…

Mas teria ficado muito mais impressionada se tivesse visto este cenário antes de ter de se pagar dez cêntimos pelo saquinho.

Antes era muito raro ver alguém a levar o saco para trazer as compras, e quem o fazia tentava ser discreto, quase envergonhado com o que estava a fazer. Agora raro é não o fazer.

Antes era muito raro ouvir alguém dizer que dispensava mais sacos, quase todos se compraziam com as ondas, quase tsunamis, de sacos com que se saía das caixas registadoras. Agora nada disso.

Cheguei a ouvir pessoas a reclamar, a empatar nas caixas, a chamar gerentes e a fincar o pé que não pago e não pago e têm de me dar os sacos, e até cheguei a ouvir ameaças de polícia e muitos xingamentos ao governo, e à crise e à vida.

Mas a verdade é que assim, e só assim, se mudaram mentalidades e comportamentos… bem, talvez só os comportamentos, e talvez não pelos motivos mais louváveis, mas houve mudança.

E o que anos de campanhas de sensibilização não conseguiram fazer, uma imposição legal e uma moedinha de dez cêntimos puseram em prática imediata.

Qual consciência cívica, qual preocupação ecológica… a questão é económica. Terapia de choque. Infalível.

E daqui se conclui também que a sabedoria popular que diz que há proporcionalidade entre o tamanho do mal e o do remédio necessário, neste caso não se aplica. Não foi preciso um grande remédio para este grande mal, bastou um pequeno remédio… mas de gigantes efeitos.

Sunday, February 28, 2016

 

Crónicas do lobo mau: Quando a compreensão pode não ser a melhor opção


Ouvi um destes dias na RTP Informação um programa que falava das quatro fases pelas quais se passa no processo de cura de experiências dolorosas: negação, revolta, tristeza, aceitação. Pareceu-me que fazia sentido, e hoje dei comigo a usar o argumento com uma senhora que me relatara uma experiência muito dura e dizia que sabia que tinha de perdoar mas não conseguia porque estava muito revoltada. É natural, tranquilizei-a. Sim, é preciso perdoar, mas para lá chegar é preciso dar espaço à revolta, aceitá-la, vivê-la, respeitá-la… encontrar formas construtivas e criativas de a deixar sair (escrevendo, pintando, fazendo voar as penas de uma almofada contra uma parede… bem, esta não é muito construtiva, mas ainda é aceitável e não prejudica ninguém…), para depois sentir a tristeza e na sua sequência a aceitação. E assim se dá o processo de libertação.

Depois de sair do local em que conversámos, e a caminho de Lisboa, surgiu-me na mente a lembrança de uma situação que me vem incomodando já há tempos. Quase a entrar em fase de ebulição surgiu uma vozinha interna a lembrar-me: “Mas atenção!... O propósito foi este e este!...”. Ah, ok, então está bem. E num flash apercebi-me de que o que disse à senhora se aplicava também a mim. E percebi que vinha fazendo isto há muito tempo. Por compreender, compreender, compreender, não me permitia sentir a revolta que precisava de ser sentida, e quando ela assomava à janela vinha a voz da razão fazer abortar o processo ebulitivo. Resultado: foi ficando presa na gaveta, e eu presa à situação sem conseguir libertar-me dela. E assim a compreensão me tem feito, neste caso, mais mal do que bem.

Solução: dar a cada fase, emoção, sentimento… o seu espaço de manifestação. Respeitar o direito (e a necessidade) de cada um deles de existir. Não se pode pular etapas ou sentimentos, sob pena de se ficar preso num qualquer atoleiro de que já nem se conhece o lugar ou o tempo. Guardar na gaveta ou debaixo do tapete, ainda que por razões aparentemente muito positivas, pode dar resultados muito negativos.

Então, por mais que eu compreenda o propósito da experiência, faz parte da aprendizagem passar por todas as fases, incluindo a da revolta.

(Imagem: O grito, Munch)

Friday, February 12, 2016

 

Crónicas do lobo mau - Evolução


 
Imaginemos a seguinte situação:

A dado momento, uma pessoa apercebe-se de uma atitude de outra(s) pessoa(s) que a incomoda, irrita e prejudica.

Respostas possíveis:

Primeira reacção, instintiva

   "Grande cabra(ão)!..."

Segunda reacção, compassiva

   "Todos temos os nossos defeitos, faz parte do ser humano..."

Terceira reacção, consciente

   "Em última instância, num nível superior, a minha alma pediu-lhe para me criar esta situação para eu poder aprender alguma coisa com esta experiência, então vamos lá ver o que é que eu tenho de aprender..."

 

Podemos escolher ficar só por uma das reacções, por duas, ou passar pelas três fases evolutivas. Se ficarmos pela primeira aproximamo-nos do nível animal, se ficarmos pela segunda atingimos o nível humano, se chegarmos à terceira aproximamo-nos do divino.

 

A primeira resposta é rancorosa, a segunda boazinha, a terceira consciente.

Na primeira etapa a responsabilidade é atribuída ao outro, na segunda é atribuída ao outro mas desculpabilizando-o, na terceira assume-se a responsabilidade do próprio.

O primeiro nível é o da vítima, o segundo aproxima-se do santo, o terceiro é mestre de si mesmo.

O primeiro reage em função das suas emoções primárias, o segundo reage em função da compreensão que desenvolveu da natureza humana, o terceiro reage em função da consciência que adquiriu de que há um propósito maior para cada experiência de vida.
 
(Imagem: retirada da internet, sem indicação de autor)

Friday, August 21, 2015

 

Tsípras e eu


Não sou fã de política. Mesmo nada. Por motivos vários. Mas nos últimos tempos andei emocionalmente envolvida num caso de política.

No início da novela grega o meu lado romântico andou exaltado com a hipótese de aparecer finalmente um político a defender e lutar por ideais. A defender verdadeiramente o seu povo, a enfrentar os algozes, a ser firme e a dizer “não”. Isto comovia-me, encantava-me, e pertencesse ele à cena política portuguesa teria o meu voto como garantido.

Mas depois comecei a andar um pouco mais atenta, a ouvir com mais atenção o que andava a fazer o meu “herói”, e o castelo começou a desmoronar. Comecei a pensar que não devia estar a perceber bem. Então, resumidamente, a malta recebe uma pipa de massa, de empréstimo, e depois de gastar tudo (e mais do que devia) diz que não paga o que lhe emprestaram. E ainda exige que lhe dêem mais (porque se não receber ainda mais de quem já recebeu e a quem não quer pagar, o país não tem condições de subsistir). (Muito) mais coisa menos coisa, espremidinho espremidinho, no essencial da questão… terá sido mesmo isto? Parece que ainda duvido…

É certo que ele não é o responsável pelo empréstimo do dinheiro nem pela forma como foi gasto. Não é responsável pela situação em que se encontra o país, mas é responsável pela forma como o país reage às circunstâncias em que se encontra. E é responsável por saber que circunstâncias são essas. E que possibilidades existem de reagir para sair delas.

É muito louvável dizer que quer cumprir as promessas que fez, e com isso eu estava em total concordância, mas pior do que não cumprir as promessas feitas é fazer promessas que não se tem condições para cumprir.

 

(Imagem: retirada da internet, sem indicação de autor)

Friday, August 22, 2014

 

Crónicas do Lobo Mau


Já conheço há bastante tempo a história do lobo bom e do lobo mau. Contada em diferentes versões, a mensagem fundamental é a de que temos duas forças dentro de nós, uma positiva e outra negativa, e sugere-se que a solução para o conflito que existe entre as duas é alimentar uma em detrimento da outra, sendo que a segunda acabará por, desnutrida, definhar e morrer.

É uma história da sabedoria antiga, partilhada por várias culturas, e durante bastante tempo pareceu-me correcta e lógica esta teoria, e é claro que eu queria alimentar o meu lobo bom e estava disposta a deixar o meu lobo mau morrer de inanição.

Mas hoje tenho uma visão diferente. Parece-me uma história que exclui, que nega, que rejeita, e com isso não só não faz com que o "lobo mau" enfraqueça e morra como faz com que se fortaleça ainda mais, só que mais escondido.

Se eu tenho dentro de mim um lobo bom e um lobo mau, e se ambos são meus e parte de mim, rejeitar um lado de mim não me vai fazer mais forte, vai tornar-me mais fraca. Fingir que ele não está lá, negar a sua existência não vai fazer com que deixe de existir, vai fazer com que continue a existir mas sem a minha consciência disso.

Então o que posso eu fazer com o meu lobo mau?

1º Ter consciência de que ele existe.

2º Aceitá-lo.

3º Olhar para ele e ouvi-lo, tentar perceber que tipo de dor ou mal-estar ou necessidade insatisfeita fazem dele "mau".

4º Tratar dele, com amor, ver do que precisa, curar a sua dor...

5º Integrá-lo.

E assim, vendo-o em vez de o ignorar, curando-o em vez de o ferir ainda mais, integrando-o em vez de o excluir, eu torno-me mais completa, mais inteira, mais forte, mais feliz, mais eu.


Imagem: Beatriz Martin Vidal, Between Dreams and Reality

 

Wednesday, August 18, 2010

 

Adjectivamente falando


Ouvi um destes dias uma entrevista de Alice Vieira em que ela advogava a morte ao adjectivo. Cortem nos adjectivos, diz ela, para evitar a subjectividade… “Tenham muito medo dos adjectivos! Sejam muito mais concretos, muito mais substantivos”.

Não é o texto o lugar da manifestação do seu autor? Não é a manifestação do autor, por natureza, algo pessoal e intransmissível (ou talvez até transmissível, mas é das entranhas dele que nos fala)? E sendo pessoal não é inevitavelmente subjectivo? E sendo subjectivo não terá o direito e o dever de usar (e se quiser até de abusar) do adjectivo que transmite a sua visão?...

Talvez faltasse dizer uma coisa muito importante nesse discurso, identificar o tipo de texto a que se refere. Ela falava de contar histórias, mas contar que histórias, porquê e a quem? Se estivermos a falar de um contexto jornalístico (ou outro de natureza semelhante), aí estou plenamente de acordo, o autor deve tentar ser o mais objectivo e imparcial possível, porque não é a sua visão que interessa ao receptor mas os factos concretos. Agora se o objectivo é dar a visão do sujeito, mostrar a forma como vê as pessoas, a vida e o mundo, revelar o que pensa e sente, as lentes pelas quais vê a realidade, se é esse o caso, como fugir aos adjectivos?

Monday, August 09, 2010

 

Espana dor


Diz Ondjaki:
“(…) certa tarde, envolto em tristezas, quis recusar o cinzento. não munido de nenhum artefacto alegre, inventei um espanador de tristezas. era de difícil manejo – mas funcionava.”


Apeteceu-me responder-lhe que recusar o cinzento é recusar a vida. Que afugentá-lo com um artefacto alegre é enganarmo-nos a nós mesmos. Que um espanador pode espantá-lo, esvoaçá-lo, mudar-lhe o lugar, mas não o cura, não o resolve, apenas o retira do nosso campo de visão. E assim rejeitado, deslocado, acumular-se-á num sítio mais escondido onde não poderemos deixar de o encontrar mais tarde, de cor já preta e de tal peso que não há espanador que se aguente.

Wednesday, August 04, 2010

 

O desafio dos estereótipos



Um destes dias, esperando para entrar numa rotunda das Caldas da Rainha, vejo aproximar-se uma moto 4. Aguardo a minha vez e dou autorização, quase sem perceber, a que se manifeste a minha tendência humana de às vezes também fazer antecipações a julgar pelas aparências. E perante a visão de um destes meios de transporte preparei-me para ver surgir uma pessoa jovem e aventureira a saborear um dos prazeres da vida. E até podia ser, e seria com certeza, aventureira e adepta de saborear os prazeres da vida, e até podia ser, e seria com certeza, jovem de espírito, mas não de corpo. Fiquei surpreendida, muito agradavelmente, ao ver surgir uma senhora que aparentava uns oitenta anos! Wow! Gostei! Ganda mulher!

Mas não terminou aqui a minha surpresa e nem foi ainda que desfiz o meu sorriso. É que esta senhora não trazia como apetrecho de viagem a usual mochila que se costuma ver, nada disso. Atrás, bem empertigada e airosa, estava montada a cestinha de verga rectangular, como a que a minha avó costumava usar.
Não se façam confusões, modernices sim mas há coisas em que se é fiel.

Moral da história: as iludências aparudem
Para não nos aparudarmos, ou emparedarmos, ou aparvalharmos, é melhor não nos deixarmos levar por iludências, ou virulências etiquetatórias ou outras indecências igualmente provocatórias.

(O título deste texto também podia ser: past meets present, they merge and live happily, I don’t know if ever after but at least for now.)

Sunday, August 01, 2010

 

GREATEST LOVE OF ALL

I believe that children are our future
Teach them well and let them lead the way
Show them all the beauty they possess inside
Give them a sense of pride to make it easier
Let the children's laughter remind us how we used to be

Everybody's searching for a hero
People need someone to look up to
I never found anyone who fulfilled my need
A lonely place to be and so I learned to depend on me

I decided long ago never to walk in anyone's shadow
If I fail, if I succeed at least I'll live as I believe
No matter what they take from me, they can't take away my dignity
Because the greatest love of all is happening to me
I found the greatest love of all inside of me
The greatest love of all is easy to achieve

Learning to love yourself, it is the greatest love of all

I believe that children are our future
Teach them well and let them lead the way
Show them all the beauty they possess inside
Give them a sense of pride to make it easier
Let the children's laughter remind us of how we used to be

I decided long ago never to walk in anyone's shadow
If I fail, if I succeed at least I'll live as I believe
No matter what they take from me, they can't take away my dignity
Because the greatest love of all is happening to me
I found the greatest love of all inside of me
The greatest love of all is easy to achieve

Learning to love yourself, it is the greatest love of all

And if by chance that special place that you've been dreaming of
Leads you to a lonely place, find your strength in love


written by Michael Masser and Linda Creed
performed by Whitney Houston


Thursday, July 22, 2010

 

E chegou a altura
em que o risco de permanecer fechado em botão
se revelou mais doloroso
do que o risco de desabrochar e florir.


Anaïs Nin

Sunday, May 02, 2010

 

M de Maio, de Mulher, de Maria, de Mãe…


Para começar este mês de Maio, fui levada pela minha turma de meninas fantásticas a reflectir sobre o papel da mãe.

“Mãe há só uma”, diz o povo, “a biológica e mais nenhuma”, diz uma vertente da Pedagogia Sistémica, abordagem com que me identifico em muitos aspectos, mas não neste.

Mãe é a que dá vida, mas é talvez sobretudo aquela que acolhe essa vida no seu colo, que cuida, que nutre, que ama. Há a mãe que dá o seu ventre físico para a gestação, e a mãe que dá o seu coração para a criação. E nem sempre as duas estão numa.

A mãe biológica dá a vida, ninguém lhe pode negar esse papel, mas a mãe afectiva permite manter essa vida, cuidá-la, nutri-la, ajudá-la a desenvolver-se, a fortalecer-se, a desabrochar. Sem a primeira não estaríamos cá, sem a segunda não teríamos sobrevivido.

E o papel de mãe não é necessariamente desempenhado pela mãe, avó, tia, madrinha, o que for, o papel de mãe, o de quem dá atenção, apoio, amor, carinho, segurança, etc., pode ser desempenhado pelo pai, o avô, um irmão, a enfermeira, a vizinha…

Parte-se do princípio de que a mãe biológica tem de fazer o papel de mãe, doa por onde doer, aconteça o que acontecer, tenha ou não tenha vontade, capacidade, força, competência, etc., para o fazer. Mas parte-se de um princípio que na prática nem sempre se cumpre. Há muitas circunstâncias que podem levar a que uma mãe não possa desempenhar para o seu filho o papel que à partida lhe estaria designado. Não por escolha, não por sovinice de não querer dar o seu colo e o seu amor, mas por incapacidade.

Pode por incapacidade não dar a presença física, por incapacidade não dar a presença emocional, e mesmo estando não está… Mas às vezes optar pelo afastamento em vez da presença pode ser um sacrifício de amor maior… quando a mãe sente, intuitivamente, que o que tem para dar não é luminoso e nutridor, que pode ser mais prejudicial do que benéfico. E sentindo isto, ainda que inconscientemente, dá ao seu filho a possibilidade de ser cuidado por outros que lhe tragam maior bem, outros que desempenharão o seu papel de forma positiva.

E na muito frequente hipótese de não termos recebido todo o amor e apoio de que necessitávamos (ou julgávamos que necessitávamos), a minha teoria é de que a única solução, a cura para os nossos males, tristezas e carências internos, não passa por lamentações ou vitimizações ou por procurar quem nos cure as feridas mas passa por algumas consciencializações fundamentais:
a) A mãe fez o melhor que podia com as circunstâncias que tinha, não fez mais e melhor porque não soube ou não pôde;
b) O facto de a mãe não ter estado, feito, dado o que nós gostaríamos não é culpa nossa, falha nossa ou falta de merecimento nosso, é incapacidade dela;
c) As condições em que nascemos e crescemos não são obra do acaso, têm um propósito, normalmente servem para desenvolvermos capacidades fundamentais em nós.

Então, neste caso, a solução é aprendermos a ser a nossa própria mãe. Darmo-nos a nós próprios o que gostaríamos que nos tivessem dado, encher o nosso reservatório que possa estar deficitário. Dar colinho a mim, amor a mim… porque só assim eu saberei e conseguirei dar amor a outro (ao filho, ao marido, à vizinha, à Humanidade…).

As nossas mães não supriram todas as nossas carências? Perdoemos-lhes (se é que se pode aplicar o termo), não foi por mal nem por escolha, simplesmente não souberam ou não conseguiram fazer melhor.

A mãe não foi verdadeiramente mãe? Tudo bem, alguém numa primeira fase da vida a terá substituído e terá cumprido esse papel. Esse papel também não foi bem cumprido? OK, vou eu cumpri-lo. E aqui não há desculpas, se eu não cumprir sou eu que estou em falta para comigo, não outro. Em última instância, todos nós nascemos e morremos sozinhos, pelo meio vamos desejando que alguém nos faça companhia, cuide de nós e nos dê amor, mas talvez a aprendizagem mais importante da nossa vida seja a de que somos nós os responsáveis por nutrir as nossas carências. Sou eu que tenho de dar a mim aquilo de que necessito. Com que legitimidade posso eu pedir a alguém (mãe, marido, o gato…) que me dê o amor que eu não sei dar a mim próprio? Com que base, fundamento, experiência, capacidade, posso eu dar amor a outro se não o sei dar a mim?

A mãe não fez porque não sabia como, também ninguém o fez com ela, nem com a mãe dela… Um ciclo que precisa de ser quebrado. Por nós. Agora.

Não podemos mudar o passado, nem podemos mudar as outras pessoas, mas podemos agir sobre o presente e sobre nós mesmos. Se eu assumir a responsabilidade por mim mesmo, se eu me der aquilo de que preciso, não fico dependente, nem frustrado, nem carente, fico bem e em condições de distribuir, a mim e aos outros.

Moral da história e apelo à acção urgente: Seja a sua própria mãe!

Neste desvio não programado mas muito pertinente, outras questões foram debatidas, surgiram reflexões, emoções, compreensões e talvez outros ões… E eu agradeço às minhas meninas pelo momento profundo e enriquecedor que partilhámos.


(Imagem 1: The Three Ages of Woman (detail), Gustav Klimt
Imagem 2: Jesus and Mary, Daniel Rodgers
Imagem 3: Mother Teresa, Jerry Breen)

Wednesday, March 31, 2010

 

Louvor a Portugal


É certo que há coisas que às vezes me desconcertam no povo português, mas há alturas em que sinto muito orgulho nos habitantes deste país. Esta é uma dessas alturas.

Primeiro, a adesão à onda de solidariedade que se levantou em resposta ao apelo para dar sangue, numa altura em que ele escasseava e se previa que fosse ser muito necessário (altura do Carnaval). Foi notável. Resposta automática, pronta, em massa. Confesso que me deixou muito emocionada.

Depois o espectáculo a favor da Madeira, com a colaboração de tanta gente famosa que fez uso do seu nome não só para aumentar as suas contas bancárias mas também para ajudar o próximo.

A seguir a operação Limpar Portugal que reuniu mais de cem mil voluntários com o Presidente da República a dar o exemplo.

E gestos no dia-a-dia, que não são divulgados mas são sentidos e apreciados. Como por exemplo as funcionárias de uma escola que se empenham a fazer bolos todos os dias, por sua iniciativa e generosidade, com o objectivo de arranjar dinheiro para pagar estores para a sala dos professores. E como uma senhora do Staples que veio a correr à rua (à chuva!) trazer-me um saco de que me tinha esquecido lá dentro. E como estes muitos outros, todos os dias.

Parabéns aos portugueses.
Assim se perdoam alguns desarrazoados à conta do bom coração.

Tuesday, February 16, 2010

 

É de dar dó…


Tenho dentro de mim uma criança de quatro anos que às vezes me faz perguntas a que eu não sei responder.

Cenário: mulheres, seminuas, cheias de lantejoulas e penachos, meneando-se pela rua abaixo enquanto tentavam, sem sucesso, demonstrar o calor e a alegria que não lhes calhou em sorte. Dando um toque deprimente à cena, chovia que Deus a dava, as plumas encharcadas pelos pingos determinados em denunciar o caricato da situação tombavam cabisbaixas pela água e pela vergonha. Estava um frio de rachar, os termómetros a marcarem temperaturas de alerta amarelo, a Direcção Geral de Saúde a recomendar cuidados especiais nos agasalhos, os observadores a bater o queixo, de casaco sobre casaco, gorros, luvas e cachecóis, para além dos chapéus de chuva, e estas meninas com quase tudo o que tinham absolutamente desagasalhado, aconchegado apenas pelos minúsculos corpetes (quando os havia), pelas tanguinhas, pelo frio e pela chuva.

E aquela minha criança pergunta: O que leva mulheres adultas, em princípio com inteligência e maturidade, a sujeitarem-se a este papel? E a candidatarem-se a uma pneumonia, ou pelo menos a uma séria constipação?
E o que é que eu lhe respondo?: Bem… não tenho a certeza, mas é possível que seja por imitação. O problema é que se esqueceram (não repararam nesse pormaior) de que não podem recriar em Portugal o Carnaval do Brasil, por uma razão muito simples, não temos as mesmas condições. Num país cheio de calor e de sol é natural que as indumentárias sejam diminutas e cheias de plumagens, mas numa zona em que nesta época o tempo é de frio e de chuva, não é nada natural. Nem lógico. É caricato. Para não dizer mesmo ridículo.

Ó portugueses, uma coisa é inspirar-se numa ideia, outra é copiá-la de forma absurda e descontextualizada. Tenham dó! Adaptem-se às circunstâncias que têm. Sejam sensatos e criativos.

(Imagem: Autor desconhecido)

Wednesday, December 30, 2009

 

Motivação?!? Ou Carta Aberta à Ministra da Educação


Senhora Ministra,

Sou professora. Sou professora por vocação e nunca me arrependi da escolha que fiz, embora nos últimos tempos pudesse ter vários motivos para isso. Sempre trabalhei com motivação, pelo bem dos alunos e da escola, e sempre fiz formação muito para além da exigida, com o intuito de ser uma profissional cada vez melhor.

Não concordo com o novo modelo de avaliação, por várias razões, especialmente pelas injustiças que cria, mas decidi não gastar as minhas energias com isso, preferi gastá-las naquilo que é verdadeiramente importante: o trabalho com e para os alunos. E também não participei na corrida aos excelentes e aos muito bons, mais do que os crachás e os brindes e o que a sociedade reconhece, interessa-me o que eu penso, e o que pensam os meus alunos. Prefiro trabalhar em sossego, sem grandes festivais e bandeirolas.

Até tentei manter-me mais ou menos à margem de politiquices. E nem sou muito de reclamar. Mas dizerem-me que isto é uma forma de motivação é a última gota!

Disse a Srª Ministra da Educação, hoje em directo no telejornal, que o sistema de quotas pretende diferenciar os professores e incentivá-los a querer ser cada vez melhores. Desculpe, Srª Ministra, mas uma de nós não está a ver as coisas com clareza. Então vejamos:
a) O que distingue os professores é a avaliação. Com mais ou menos justiça (infelizmente, segundo o que tenho visto, com menos justiça do que com mais, mas esta não é a questão que agora discuto), o sistema que estabelece a hierarquia de qualidade é o chamado sistema de avaliação, é o que no final, aplicados os critérios e recolhidos os dados, se traduzirá em um resultado, numérico e qualitativo.
b) Outra coisa, muito diferente, é o sistema de quotas. De acordo com esse sistema, uma escola com 20 ou 30 professores excelentes (ou mais, porque o ideal era que fossem todos) poderá reconhecer como tal apenas 10, porque não tem quotas para mais.

Agora diga-me, Srª Ministra, de que forma é que isto incentiva os professores a fazerem cada vez mais e melhor? Se um professor se esforça ao máximo, se tem um desempenho exemplar, se a sua prestação é inequivocamente excelente e depois lhe dizem no final do ano que não pode receber a classificação que merece porque não há “vagas”, qual considera que poderá ser a sua motivação? E em que medida é que isso poderá contribuir para o desenvolvimento pessoal e profissional dos docentes?

Srª Ministra, sabem todos os pedagogos que se ensina mais pelo exemplo do que pela palavra, e o mínimo que eu espero da máxima representante da Educação em Portugal é que seja honesta. Se o que se pretende é fazer cortes orçamentais, que se tenha a coragem de o assumir, mais facilmente o aceitaria do que esta farsa de nos tentarem deitar areia para os olhos. Respeito e honestidade, será pedir muito?

Thursday, December 10, 2009

 

Dimensões...


Há um ditado popular que diz:
Deus fecha uma porta e abre uma janela

Há algum tempo atrás eu senti-o e reescrevi-o de maneira diferente:
Deus fecha uma janela e abre uma porta

Agora vou ainda mais longe:
Deus fecha um postigo e abre um portão!

(Imagem: Steven Mitchell, The Opened Gate)

Wednesday, October 07, 2009

 

A verdade, toda a verdade, e nada menos que a verdade


Este fim-de-semana, em conversa com uma pessoa, manifestei a minha opinião sobre ela. Dei-a completa, toda, não retive nada para mim, não deixei nada na gaveta. Fi-lo num momento de espontaneidade, de liberdade sem amarras, e passado esse momento fiquei com um novelinho no estômago: não devia ter dito isto, não devia ter dito tanto, ter ido tão longe… Foi como se uma nuvenzinha negra viesse oprimir-me.

E depois do primeiro momento de liberdade e do segundo momento de opressão veio o momento da reflexão. Mas por que motivo me devia eu sentir mal por dizer a verdade? Porque a pessoa podia sentir-se triste ou incomodada? Mas preferiria a pessoa que eu mentisse ou omitisse? Isso deixá-la-ia mais estável na sua estrutura pessoal?

As crianças, nas sua pureza e honestidade natural, não têm este tipo de problemas, dizem logo o que sentem, sem restrições, e pronto. Mas a sociedade amordaça a sinceridade das crianças, vai-lhes dizendo que isto não se diz e aquilo não se diz, e a dada altura já ninguém sabe o que é que pode dizer.

Mas haverá alguma coisa melhor, mais edificante e mais respeitadora do que a verdade? E a verdade toda, não apenas meia verdade ou um quarto dela.

(Imagem: Shari White, The Spirit of Truth)

Saturday, August 15, 2009

 

Escolhas e Inevitabilidades


Podes escolher virar à direita ou à esquerda,
mas podes ter a certeza de que vais passar por Óbidos.

Como na vida.
Temos livre arbítrio para escolher alguns caminhos,
mas há certos sítios (e pessoas, e estados, e situações, …)
por onde temos de passar.
Obrigatoriamente.

(Imagem: Fotografia Olga Correia)

Sunday, July 19, 2009

 

Crivos...

Dizia um destes dias um homem das artes que há três “crivos” para distinguir se uma obra deve ser feita, e o terceiro é considerar se alguém pagaria alguma coisa por ela no mercado.

Tenho cá p’ra mim que isto não é bem assim. Ou talvez seja assim para os artistas que querem ou precisam (o que também será legítimo) de ganhar dinheiro com a sua arte.

Se o Picasso tivesse pensado assim alguma vez teria nascido o Guernica? Ele imaginou que alguém lho pudesse comprar? Se o Pollock estivesse preocupado com isso alguma vez teria dado asas ao seu action painting? Os exemplos poderiam suceder-se até à exaustão, e têm praticamente todos em comum o facto de não serem aceites, numa primeira fase, de serem considerados loucos, de serem mal tratados e até humilhados pelos críticos, e, obviamente, não comprados. E também têm mais ou menos em comum o facto de se estarem a borrifar para isso.

Mas não é preciso ir tão longe, olhemos para o artista que há em cada um de nós, agonizando por uma oportunidade de se exprimir. Por que não o deixamos fazê-lo? Porque achamos que não é suficientemente talentoso? Porque temos medo da crítica dos outros? Porque duvidamos que alguém queira comprar ou lhe atribua algum valor? E daí? Isso seria desculpa suficiente para deixar de respirar se nos dissessem que fazê-lo é uma forma de arte?

O verdadeiro artista, na minha opinião, não se limita aos domínios da mente nem da sociedade, se há algo nas suas entranhas a clamar por nascimento, não há nada que o possa impedir de se exprimir. É algo que o transcende. Se gostam ou não, se o aplaudem ou criticam, é-lhe absolutamente indiferente, porque nesse processo profundo e arrebatador, ele não escreve, ou pinta, ou dança, ou o que for, para receber dinheiro ou reconhecimento público, ele cria porque simplesmente não pode deixar de o fazer.


(Imagem: Children Writing, Pablo Picasso)

Thursday, July 09, 2009

 

Dar ou não dar, outra questão

Apareceu-me de sopetão, de um salto, já eu estava a estacionar. Depois começou com o “vira”, “vira”, “cabe”, “cabe”. Eu sei que cabe, não era de esperar que soubesse? Mas pronto, obrigada pelo reforço. Poupou-me ao “troce” e “destroce”, também é de agradecer.

Fiquei no carro alguns minutos, tinha tempo, e precisava de anotar umas ideias que me tinham surgido pelo caminho. Passou-se. “Agora esta não sai do carro!…” começou a dizer para o colega que como ela estava ali à caça da moedinha. E à medida que se foi passando cada vez mais foi falando cada vez mais alto para ter a certeza de que eu ouvia. “Esta gaja está aqui a ocupar-me o lugar!...”. Que giro, ocupar-me, porque os lugares passaram a ter nova proprietária, e nada tem a ver com a Câmara Municipal, com a EMEL ou com a Sonae. E continuou a barafustar: “As pessoas normais quando não precisam de sair ficam atrás dos outros”, cheia de resinguice e negatividade, “Para que é que isto precisa do lugar?...”.

Eu que já estava com pouca vontade de lhe dar qualquer moedinha, tomei a resolução final. Nem pensar. Ainda me passou pela cabeça: E se me estraga o carro? Mas logo percebi a armadilha que isto era, não podia estar a dar moedas por medo do que poderia fazer quem não as recebesse. As moedas, ou o que quer que seja, não devem ser dadas por medo, ou por dever, mas por compaixão, por solidariedade, por amor, quando todo o nosso ser diz que quer dar, e aí sim, a dádiva é gratificante para os dois lados. Se for dado por medo ou obrigação vai carregado de uma energia que não beneficia quem dá nem quem recebe.

(Imagens: autor desconhecido)

Sunday, June 28, 2009

 


Recomeça...
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar
E vendo,
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

Miguel Torga

(Imagem: Butterfly on Lavender Flowers, Darrell Gulin)


Tuesday, December 23, 2008

 

Ver ou não ver, eis a questão


“Acho que não ficamos cegos. Acho que sempre fomos cegos.
Cegos apesar de conseguirmos ver.
Pessoas que conseguem ver, mas não enxergar.”
José Saramago, Ensaio Sobre a Cegueira


Fui ver o filme.
O silêncio da sala era sepulcral. Respirações presas, estômagos contraídos. Alguns saíram a meio. Emoções e reflexões num atropelo de contrastes.

Um retrato metafórico dos tempos modernos. Eu disse tempos modernos? Corrijo, o cenário transcende a temporalidade, deveria ter dito: uma metáfora da humanidade, dos seus defeitos e virtudes, e talvez da sua maior doença: a cegueira.

Comecei por sentir uma grande compaixão por aquelas pessoas que se embrulhavam nas fezes e que viviam numa pocilga autêntica. É que eles não conseguiam ver. E não os podemos responsabilizar pelo que não conseguiam ver. E a única mulher que via não tinha como fazê-los ver porque eles não tinham ou não estavam naquele momento com essa capacidade. A função dela era tentar orientá-los, protegê-los, mantê-los seguros…tratar deles até que conseguissem recuperar a visão. Ocorreu-me que assim acontece com todos os tipos de cegueira, por mais que apeteça por vezes dizer “Como é possível que não vejas?...”, não se pode obrigar a ver quem está cego. E não se pode culpar nem irritar com ninguém por sofrer de qualquer um dos tipos de cegueira. Quem está cego não tem a noção da sua própria miséria, da quantidade de dejectos, seus e de outros, que pisa e com que se lambuza. Não tem noção da podridão e da indignidade. Não vê o estado das suas próprias gangrenas nem das dos outros. Simplesmente não vê. E não se pode obrigar um cego a ver.

Depois veio a náusea e a revolta com a maldade, com o oportunismo, o egoísmo e a desumanidade dos que tentam humilhar os outros. Com esses aquela mulher tentou lidar a bem, tentou conversar, tentou negociar, até cedeu ao desrespeito e ao abuso. Mas tudo tem um limite, e no filme, como na vida, às vezes os pacificadores também têm de recorrer às mesmas armas dos agressores. Pombas pacíficas nem sempre conseguem deter as feras, poderão ter de se transformar em ursos para se fazer ouvir perante quem não consegue entender outra linguagem. Utilizando outra metáfora, para salvar as ovelhas pode ser preciso atacar o lobo.

A seguir veio o enternecimento, a alegria, a força e o orgulho na raça humana, que no meio da degradação consegue fazer florescer o amor, a coragem, a solidariedade, o altruísmo, …

À medida que o grupo começa a recuperar a visão a mulher apercebe-se do cansaço múltiplo causado pelo fardo que lhe coube. Não são só os que não vêem que sofrem, quem vê também tem a sua dose. Aquele que vê o que outros não vêem tem de se preparar para lidar com duas grandes questões: a solidão e a responsabilidade.

E estas pessoas que antes conseguiam “ver, mas não enxergar” nunca mais vão olhar para as suas vidas da mesma maneira. Será preciso perder para saber valorizar?


E deste ver ou não ver decorrem ainda outras questões:

Há vários níveis de cegueira, da mais leve à mais profunda.
E vários tipos de cegueira, física, mental, emocional, espiritual, …
E também há os cegos que não podem ver e os que não querem ver (diz o provérbio popular que estes últimos são os piores).

E talvez a mais premente e perturbadora das interrogações: Como se sabe se se está cego ou a ver?
Quando se tem consciência da sua própria miséria pode-se dizer que se vê? Quando se tem consciência de que a bela flor do lótus tem a sua raiz no lodo, quando se tem consciência de todas as partes de si e de como se alimenta cada uma delas, a bestialidade e a divindade, pode-se dizer que se vê?
Como saber se se está cego?
Como saber de que tipo e nível de cegueira se padece?
Como saber se está lúcido, se está vivo?

Questões para reflectir…

(Imagem 1: Cartaz do filme Blindness
Imagem 2: Frank Chmura, Eye Exam - Stockholm Sweden
Imagem 3: Whitney & Irma Sevin, Eye in the Sky)

Friday, November 28, 2008

 

E assim se promove a excelência



Às vezes sinto-me como uma criança de quatro anos perante certas coisas. Não entendo.
Passo a explicar a minha perplexidade.

A ministra da Educação diz que quer promover a excelência, o que está correctíssimo, todos os países, governos e cidadãos devem querer precisamente isso. E a Educação será tanto mais excelente quanto mais professores excelentes existirem, certo? Até aqui, tudo bem. A parte que eu não compreendo vem a seguir.

O Ministério diz que quer promover a excelência, mas cria uma lei que diz que só 5% podem ser classificados como excelentes e 20% como muito bons. Não era suposto incentivar-se a que fossem excelentes os 100%?!? O ideal de uma nação não deveria ser ter excelentes professores? TODOS excelentes, ou pelo menos os que quisessem sê-lo? Não deveria? Não é isso que a ministra diz que está a promover “o reconhecimento do mérito e a promoção da excelência”? Então como se justifica a existência de quotas que impede esse mesmo reconhecimento? Primeiro diz-se “sejam todos excelentes”, o que é obviamente o objectivo de toda a gente, ou deveria ser, e depois diz-se “Ah, e tal, desculpem lá, mas embora tenham sido excelentes não vos posso classificar como tal”. Altamente motivador. Numa escola com 100 professores a senhora ministra diz que só 5 podem ser reconhecidos como excelentes, todos os outros que forem excelentes… temos pena, fica para a próxima… ou talvez não. Isto é justo? Isto é que é promover a excelência?

É como um professor dizer aos alunos “Todos devem trabalhar para o 20, mas eu só vou dar um 20, um 19, um 18, um 17, um 16 e os restantes terão todos de 15 para baixo, independentemente de haver dez alunos a merecer 20”. Se um filho da ministra fosse aluno desse professor suspeito que ela iria ver as coisas de forma diferente.


(Imagem: Justin Bua, Rising)

Tuesday, November 11, 2008

 

Que avaliação é esta?


No contexto da polémica avaliação dos professores tive conhecimento, um destes dias, de uma situação que nem sei como qualificar.

Após uma aula assistida pelo avaliador, aula essa que ao que parece correu muito bem, a professora foi informada de que tinha sido penalizada no item “gestão de conflitos”. Qual o motivo? Não houve conflitos para gerir.

Nem há palavras para comentar tamanha barbaridade. Em vez de se louvar a professora que através de uma disciplina preventiva evitou que se gerassem conflitos na aula, penaliza-se por ter evitado que os conflitos acontecessem.

Dar-se-á o caso de os professores terem de pedir aos alunos que se portem mal nas aulas assistidas só para poderem demonstrar capacidade de gestão de conflitos? Onde é que isto já se viu?! Não há ninguém que explique a estes senhores que mais importante do que gerir conflitos é evitá-los?

A injustiça e o ridículo são de tal ordem que nem me apetece fazer mais comentários.

Era bom que se pensasse seriamente nisto. Avaliação, sim, mas injustiças (destas e doutras), não.


(Imagem: Paul Katz, Lady of Justice)

Sunday, September 07, 2008

 

Escravidão? Cegueira? Ou…?

Eu até me considero uma pessoa pacífica e tolerante, mas há situações que às vezes ateiam este meu triplo fogo.

O incidente deu-se com uma encarregada de educação que foi convocada para ir à escola dar um parecer sobre um relatório de retenção repetida da sua filha, sendo-lhe facultada a opção de apresentar os argumentos (e havia vários) que considerasse pertinentes para pedir uma reavaliação da situação, aproveitando uma última oportunidade para transitar de ano. A directora de turma, disposta a ajudar a senhora a fazer o dito documento, disse-lhe que tinha de ser até às duas horas porque às duas e meia reunia-se o conselho pedagógico que ía analisar e decidir sobre essa situação. Até aqui tudo normal. O que já não foi nada normal (ou será normal e eu é que sou lírica?) foi a reacção da senhora:
- Ah, não, tenho muita pena mas a essa hora não posso, tenho de fazer o almoço.
“Tenho de fazer o almoço?!?” A directora de turma duvidou que tivesse ouvido bem. Ainda considerou a hipótese de não ter sido muito clara e explicou de novo que era a última oportunidade de poder ajudar a filha a passar de ano.
- Pois, mas eu tenho de dar o almoço ao meu marido.
- Pronto, a senhora é que sabe o que é mais importante para si, ajudar a sua filha a salvar um ano de trabalho ou dar o almoço ao seu marido!

Isto chateia-me. Não consigo evitá-lo. O nível de escravidão chega a este ponto? As mulheres sentem-se tão prisioneiras desse compromisso inadiável, insubstituível, inalterável, que nem por um dia, nem por causa de um filho, deixam de servir o almoço ao marido?

Infelizmente, esta senhora não é a única a sofrer da tara “almoço obrigatório ao marido”. Muitas outras fazem parte do clube. E é assim, pelas ruas desta amargura, que anda a feminilidade e a maternidade neste (recanto do) país.

Feminilidade porque a mulher assumiu que é sua e de mais ninguém a obrigação de prover alimento, de confeccionar comida, de a dispor sobre a mesa (dá-la na boquinha e talvez até já triturada, não?), obrigação inquestionavelmente sua e a que não pode fugir. E o que acontece se ela não o fizer? O marido bate-lhe? O marido morre de fome? Coitadinho, talvez estivesse na hora de se tornar vagamente, minimamente, independente e de aprender a fazer pelo menos uma sandes, porque há dias em que a “criada”, por algum motivo, pode ter de se ausentar.

E maternidade porque uma mãe supostamente zela pelo bem-estar do seu filho, porque esse sim é dependente enquanto não tiver idade e meios para ser autónomo. Zelar pela sua vida, pelo seu presente e pela preparação do seu futuro, estar atenta, ver como pode ajudar, etc..Tentar recuperar um ano de trabalho escolar parecia-me caber nesta categoria. Mas a mãe não podia dispensar essa atenção à filha porque aquele era o horário sagrado de fazer o almoço. Este outro alimento, o amor, o carinho, o cuidado, a preocupação, o esforço para ajudar, … era muito mais importante. Mas, ao que parece, são alimentos incompatíveis, a mãe não pode cuidar do futuro da filha porque tem de tratar do estômago do marido.

Sem mais comentários.


(Imagem 1: Todd Gipstein, Close View of Heavy Door to a Cell in the Doges Prison
Imagem 2: art print, Serving-Maid
Imagem 3: John Gabriel Stedman, Punishment of Two Black Female Slaves)


Saturday, July 26, 2008

 

Creio...



Creio nos anjos que andam pelo mundo,
creio na Deusa com olhos de diamante,
Creio em amores lunares com piano ao fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes,

Creio num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo é eterno num segundo,
Creio num céu futuro que houve dantes,

Creio nos deuses de um astral mais puro,
Na flor humilde que se encosta ao muro,
Creio na carne que enfeitiça o além,

Creio no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o Amor tem asas de ouro. Ámen.


Natália Correia

(Imagem: Fotografia Olga Correia)

Saturday, June 14, 2008

 

2 a 2: Prova de resistência


( Imagem: Fotografia Olga Correia)


Thursday, April 17, 2008

 

A vez do 13


O painel apitou estridente. Rectangular, de fundo preto, fazia sobressair, bem destacado e vermelho vivo, o número 13. Tinha acabado de chegar, de tirar a senha e de reparar que havia várias pessoas à minha frente. Não seria ainda, com certeza, a minha vez. Mas ainda assim confirmei. Olhei de relance, despreocupadamente. Espanto: afinal era. Era meu o 13.

Fiz o pedido e fui sentar-me a uma mesa de canto, discretamente, saboreando o lanche ao som do burburinho, enquanto o número se entranhava em mim.

Não partilho das superstições da maioria relativamente ao número 13, não o vejo como um número maléfico ou assustador, dois dígitos a evitar. Pelo contrário, sempre o senti como um benfeitor, um número que, de alguma forma, para mim, estava associado a coisas boas. Quando descobri o Tarot aprofundei-lhe o sentido. Talvez o arcano mais temido, A Morte. E temido provavelmente por incompreensão. Ou por comodismo. Ou por resistência à mudança. Ou por se entender no seu sentido literal em vez de no arquetípico.

A Morte simboliza um fim, algo que termina, algo de que temos de nos desprender, desligar, desapegar… Uma ideia, uma pessoa, uma situação… Qualquer coisa que já não nos serve, que já não está de acordo com a nossa energia, com a nossa essência, com a nossa forma de estar e de ser. E se já não nos espelha, se já não se coaduna, se já não nos ajuda a ser cada vez mais quem somos e a evoluir, então prejudica-nos, retira-nos energia, faz-nos ficar parados, gera “lixo”, cria bloqueios de energia que não circula e que não se usa produtivamente, em última análise deixa-nos doentes.

Quando temos lixo em nossas casas sentimos necessidade de o deitar fora, de fazer limpeza, quando nos sentimos doentes fazemos todos os esforços para nos libertarmos da doença. E o que acontece no mundo material e físico acontece de igual modo nos outros domínios da nossa vida. Se algo não está bem, não nos faz bem, porquê insistir em mantermo-nos agarrados a essas realidades, quaisquer que sejam? Não seria, no mínimo, uma questão de bom senso fazermos uma limpeza onde ela é necessária? Libertar o que já não serve e criar espaço para o novo? Quem é que prefere estar doente se pode gozar de boa saúde? Quem é que prefere estar infeliz se pode beneficiar de plena felicidade? É isto que A Morte implica, também apelidada de Transformação em alguns baralhos, algo tem de morrer para que algo melhor possa renascer. Isto é crescimento e evolução.

Como a dar apoio ao rumo da minha reflexão, o painel continua a marcar o 13, mesmo à minha frente, empoleirado no alto e a gritar esganiçado pelo esforço de se tentar fazer compreender. O cavalo e o cavaleiro rejubilam: “É isso, é isso! Estamos aqui, e viemos por bem!”. Eu sei amigos, e agradeço. E sei também que sincronisticamente confirmam e formam a claque da minha própria fase de morte e regeneração. Aceito serenamente a mudança. Carinhosamente dou colo à transformação.

O painel volta a apitar. Anuncia agora o 14. Muito bem. Diz-me que a seguir posso preparar-me para A Temperança.


(Imagem 1: Clipart.Com, 13
Imagem 2: Tarot Rider Waite, Death)

Thursday, February 28, 2008

 

Só o perdão não chega



Uma longa caminhada, num passado fim-de-semana, levou-me a enfrentar diferentes processos em simultâneo. Entre várias experiências importantes, há uma que me apetece partilhar, pela aprendizagem que me trouxe e pelo que essa minha aprendizagem possa ter de utilidade para alguém.

Esta é uma experiência de perdão, e não só.
As características terapêuticas do perdão têm sido amplamente divulgadas, e eu confirmo e comprovo com frequência esta realidade. Muito cedo na minha vida comecei a perceber a importância de me libertar dos elos negativos formados por mágoas e ressentimentos em relação aos outros. Interiormente estabelecia com eles um diálogo (ou talvez mais um monólogo) e dizia-lhes: “Eu perdoo-te porque era uma experiência pela qual eu precisava de passar e tu foste apenas o agente da sua materialização, perdoo-te porque não soubeste, quiseste ou pudeste fazer melhor, perdoo-te porque eu também não sou perfeita e também erro e também eu às vezes preciso de pedir perdão…”. A prática continuada tornou este processo cada vez mais fácil e tornou o meu quotidiano, as minhas relações e a minha vida muito mais leves e harmoniosos.

E como esta lição parecia já estar aprendida, o Universo trouxe-me outros desafios para enfrentar. Relativamente dominada a situação no presente, foram-me apresentadas cenas de passados distantes, situações difíceis que criaram desarmonias energéticas.

Nesta dança de desequilíbrios e reequilíbrios kármicos, há muitos encontros (e desencontros) que surgem nas nossas vidas com o objectivo simples (ou talvez nem tanto) de gerar o perdão como forma de libertação, não só do que perdoa como do que precisa de ser perdoado.

(Quem não acredita na reencarnação pode parar por aqui e passar já para outro post ou para outro blog ;)

Não só acredito no processo cíclico e evolutivo da alma como na necessidade de repor o equilíbrio que foi perturbado em vidas anteriores e que nos mantém ligados, de formas positivas e negativas, a muitos dos seres com os quais nos relacionamos.

Descobrir algumas das relações e acontecimentos de passados longínquos que nos unem a algumas pessoas, perceber a quantidade e profundidade de algumas das dívidas kármicas, pode não ser a mais fácil das tarefas. Pode não ser nada fácil perceber que alguém que nos fez tanto mal, tantas vezes, em tantas vidas, precisa agora de conviver connosco, precisa agora do nosso perdão (muitas vezes inconscientemente), precisará até de mais do que isso.

Descobertas algumas destas situações, compreendidas as necessidades de perdão e equilíbrio, perdoado o que houvesse a perdoar, e ficaria, à partida, sanada a questão… Mas não é bem assim. Se ainda dói, se ainda provoca tristeza, se ainda incomoda, então há algo que ainda não está bem. Eu perdoei tudo, muitas das coisas logo na altura, outras no presente ao tomar consciência delas… perdoei mesmo. Tudo. Então o incómodo e a tristeza o que me querem dizer? Que ainda não está tudo bem, que ainda não está tudo resolvido, que ainda não está tudo curado. Então o que falta? A resposta não se fez esperar, surgiu rápida e inequívoca: falta amor. É preciso enviar amor, para a pessoa, para a situação. É preciso enviar amor para além do perdão. E esta consciencialização, o envio do que estava em falta, trouxe-me a leveza e a cura.

É como se o perdão fosse a libertação, a forma de cortar o cordão que nos prende pela negativa, e o amor fosse a cura do que fica depois disso, o preenchimento do espaço que se criou. Quando se retira algo de negativo deve-se preencher o vazio com algo de positivo. Só nessa altura se conclui, e limpa, e transmuta, e resolve o processo. Imagino-me mesmo a enviar com as mãos a energia rosa e dourada para a pessoa e situação que visualizo diante de mim. E isto traz-me uma paz enorme, uma serenidade fantástica.

(Imagem1: Jean-Luc Bozzoli, Cocoon
Imagem2: Lente Louisa, Red Butterfly)

Saturday, January 19, 2008

 

Que ENERGIA...


Qual é o teu segredo, são pilhas alcalinas?
Não, são pilhas divinas.
E onde se arranja dessas?
Já as tens dentro de ti, é só usar.

(Imagem: Fotografia Olga Correia)

Wednesday, January 09, 2008

 

Elevar-se acima dos problemas…


… É uma questão de perspectiva,
que depende de nós!

(Especialmente dedicado
à minha amiga Estranha
que anda ainda mais desassossegada do que o habitual :)

(Fotografia Olga Correia)


Sunday, December 09, 2007

 

A Escolha


Há alturas em que temos mesmo
de descascar as batatas.
Podemos fazê-lo
a chorar e a reclamar
ou a rir e a cantar.

(Imagem: Poster, Cheerful Australian Soldier Peeling a Potato)

Sunday, November 18, 2007

 

Coisas que o dinheiro não compra






Torres Vedras. Jardim da Graça.
O sol de Novembro, ainda quente e meloso, escondia-se atrás das árvores, mas alguns dos seus raios ainda incidiam naquela fonte, criando uma espécie de clareira, iluminada e cercada pelas árvores.
O homem, magro e moreno, por volta da meia idade, saiu da carrinha branca abraçando com ternura o seu tesouro. Avançou até ao centro, colocou o barco, com todo o cuidado, no beirado de pedra para, de seguida, com reverência, o colocar no seu pequeno mar. A mulher e a menina aproximaram-se, em deleite. A pequena aos pulos, aos guinchinhos e batendo palmas acompanhava o percurso. Segurando o barco por fio de prumo, não fosse perder-se em alto mar (ou afastar-se para o centro, distância que implicaria banho completo para o resgate), controlava o seu percurso à volta da fonte. Mais uma volta, e outra, e ainda outras tantas. E os três naquela alegria eram acompanhados pela melodia dos repuxos e pelas nuvens de pombos que por vezes se lhes juntavam.

Quem precisa de (muito) dinheiro para ser feliz? Quanto mais não vale uma destas memórias para levar na bagagem para o futuro do que um brinquedo muito caro e um “Vê se te entreténs com ele tempo suficiente para me deixares fazer as minhas coisas”. Foi o tempo partilhado, foram os risos, a excitação, os laços que se criaram… Há momentos de felicidade que não há dinheiro que compre.

No dia em que a RTP apresentou um estudo europeu (realizado em nove países) que diz que os portugueses são os que brincam menos com os filhos, eu tive o privilégio de assistir a esta cena enternecedora. E chamem-me lírica se quiserem, mas eu acredito que é possível a mudança, e a curto prazo.


(Imagem 1: Richard Stacks, Father Walking with Child in the Park
Imagem 2: J. Clark, Toys in Jeans I)

Tuesday, October 23, 2007

 

A fome e a vontade de comer




Encontram-se dois amigos na rua e ficam admirados com o aspecto um do outro.
- Eh, amigo! Há quanto tempo!... Como é que estás? Desculpa que te diga mas tens um péssimo ar… roto, sujo, maltrapilho e cabisbaixo… que se passa contigo?
- Olha, é a vida. É esta pobreza de sempre, a sorte não quer nada comigo. Não tenho ninguém que me ame, ninguém que trate de mim, ninguém que me ajude em nada… Mas e tu? Olha que falas de mim mas o teu aspecto não deve ser muito melhor do que o meu, parece que acabaste de ser desenterrado. Fazes-me lembrar o ditado popular “diz o roto ao nu porque não te vestes tu”. As coisas não te correm bem?
- Bem?!? Já não sei o que isso é! A vida tem sido madrasta comigo, não me tem dado nada do que eu queria, vivo triste e sem ninguém, … um farrapo de gente abandonado.
- Eh pá, acabei de ter uma ideia que talvez resolva os nossos problemas. Se tu estás triste porque estás sozinho e eu ando deprimido porque não tenho ninguém, por que não nos juntamos os dois e fica tudo resolvido?
- Talvez até nem seja má ideia… Podemos experimentar.
E experimentaram, de facto, mas não se deram muito bem com a experiência. A questão central é que os dois se sentiam em carência e achavam que o outro é que tinha de contribuir com alguma coisa para a sua felicidade.
- Assim não dá, já começo a ficar farto! Afinal estou contigo não sei para quê, não cuidas de mim, não me ajudas, não me fazes as vontades…
- Olha, olha! Passou-se! Tomara eu que cuides tu de mim! Por que é que achas que me juntei a ti? Para ter quem me fizesse feliz!
- Então vieste bater à porta errada, porque eu não sei fazer nada disso, se soubesse fazia-o por mim próprio e já não estava dependente de ti para isso…
- Agora é que disseste bem, e acabei de descobrir uma grande verdade: sou eu que tenho de cuidar de mim, não posso estar à espera de quem venha em meu auxílio. Queixo-me de que a sorte não me dá nada mas eu também não tenho feito nada por mim, para mudar a minha vida.
- Acho que tens razão, sim. Muito bem visto. Obrigada, amigo. Estou cheio de vontade de começar de novo, de assumir a responsabilidade por mim próprio, a todos os níveis. E algo me diz que com isso toda a minha vida vai mudar e que uma onda de abundância me espera.

Moral da história:
Ninguém pode dar aquilo que não tem.
A vida responde à atitude com que a vivemos.
Quem quiser encontrar o amor e a felicidade deve começar por procurar dentro de si próprio.


Estou cada vez mais convencida de que os males do mundo provêm todos da mesma raíz: falta de amor. Falta de amor ao próximo e ao mundo, mas sobretudo falta de amor ao próprio.

Nas relações as pessoas buscam o amor dos outros para colmatar a falta de amor a si próprias. Sentem falta de amor e pensam que a solução está em procurá-lo, pedi-lo, exigi-lo aos outros. É uma forma de se enganarem, é uma forma de esconderem de si mesmas a sua própria falta de amor.

Há uns tempos, em conversa com uma amiga eu dizia-lhe que achava que as pessoas procuravam ficar juntas pelos motivos errados. “Que motivos errados?” perguntou-me ela. “Para não ficarem sozinhas”, respondi-lhe. “E isso é errado? Por que outro motivo é que as pessoas haveriam de querer ficar juntas?”, questionou depois. “Por amor”, foi a minha resposta.

Quando queremos estar com os outros para não estarmos sozinhos estamos com vários problemas:
a) não conseguimos estar bem connosco próprios;
b) se não conseguimos estar bem connosco próprios é porque não gostamos de nós o suficiente;
c) se não temos suficiente amor por nós vamos tentar encontrar alguém que nos ame, que nos dê o amor de que estamos em falta, que não conseguimos dar a nós próprios;
d) alguém vai tentar suprir essa necessidade, e nós vamos exigir cada vez mais que o faça;
e) vamos passar a vida a cobrar, a depender do que vem do exterior, e se por algum motivo deixar de vir ficamos perdidos sem saber como preencher aquela lacuna.

Quem está bem consigo próprio tanto está bem sozinho como acompanhado. Quem tem amor por si próprio tem amor para si e para os outros, quem não tem amor por si próprio não tem amor por si nem para dar a ninguém.

Não me refiro ao amor egoísta que só pensa em si próprio, mas ao amor altruísta que se nutre a si para estar em condições de poder amar e nutrir os outros, para que na relação com os outros se possa colocar numa posição de dador (porque tem para si próprio e para dar) e não de carente (porque não tem nem para si nem para dar e precisa de receber).

Até as questões de agressividade são, em última instância, uma expressão da falta de amor. Quem se ama e respeita a si próprio ama e respeita naturalmente o próximo. Como se pode saber amar o próximo se não se sabe amar o próprio?

As relações humanas, em grande parte dos casos, formam-se na carência, no ideal, desejo ou exigência de que o outro venha preencher esse vazio… E se o outro, que também não se sabe amar e por consequência não nos sabe amar a nós, não está em condições de nos dar o amor de que estamos em falta (porque também ele não tem) e ainda está à espera que sejamos nós a compensar as faltas dele? Complicado, não é? E não vale a pena recorrer àquela frase que diz que cada um ama o outro e assim se compensam, as coisas não funcionam por substituição, funcionam em cadeia e interligadas, ou seja, quem se sabe amar a si próprio sabe amar os outros e a vida, quem não se sabe amar a si próprio não sabe amar os outros. Não conseguindo fazer a aprendizagem de primeiro nível (amor a si) não consegue fazer a aprendizagem do segundo (amor ao outro), e muito menos dos seguintes (amor universal, transcendente e incondicional).

E uma questão fundamental é que mesmo que se tivesse muita gente (pais, companheiros, amigos, …) à nossa volta a amar-nos e a presentear-nos com todo o tipo de acções e emoções nutridoras, se não gostássemos de nós próprios tudo isso seria em vão, continuaríamos a achar que não éramos dignos de amor e a sentirmo-nos pobres. Apesar do muito que nos possam valorizar e amar, se nós não sentirmos essa valorização e esse amor por nós, de nada adianta (são exemplo disso alguns casos de artistas bem amados pelo público e mal amados por si próprios que atentaram contra a própria vida).

É grande a diferença entre viver e amar na dependência ou em liberdade. Do ponto de vista de quem recebe, o que preferíamos, ser amados por uma pessoa carente e dependente, que pensa que nos ama para que lhe preenchamos a necessidade de ser amado, que vive constantemente a pedir que amor lhe seja dado, ou por uma pessoa que não está dependente do nosso amor, que tem amor suficiente para si próprio e para dar, que não fica de rastos se por algum motivo não receber num determinado momento a dose do amor que nós lhe damos para sobreviver?…

Nenhuma relação de verdadeiro amor deve partir da carência, da necessidade, da falta. Pelo contrário, deve ter origem na abundância, no desejo de partilha do muito que se tem para dar. E esse processo começa dentro de nós.


(Imagem1: Tarot Rider Waite, Five of Pentacles
Imagem 2: Magnet,
I Love Me
Imagem 3: Anna Flores, Love Story)

Monday, October 15, 2007

 

Voltas a ser como criança

Se és princípio, inauguração, amanhecer.
Se não ocupas o teu tempo a contar a vida
mas a comprometeres-te com ela.
Se não queres parar nem retroceder.
Se falas de projectos, de esperanças.
Se inundas tudo de primavera.
Se ouves o futuro a chamar por ti.


Voltas a ser como criança
Se não te deixas abater.
Se sabes rir de ti mesmo.
Se superas o medo e situações ridículas.
Se reconheces ser débil, frágil.
Se detestas o fingimento e a mentira.
Se aceitas servir os irmãos.
Se não vives no passado.



Voltas a ser como criança
Se aceitas o inesperado.
Se és transparente.
Se foges das sombras e caminhas na luz.
Se desejas o infinito.
Se não desanimas perante os naufrágios da vida.
Se achas que nada é impossível.

Voltas a ser como criança.

J. F. Moratiel

(Imagem 1: Harrison Rucker, Nature’s Child
Imagem 2: Mai-Thu, La Ronde
Imagem 3: Danny Hahlbohm, Christ and Child)


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