Wednesday, April 25, 2007

 

A Personagem Principal


Hoje encontrei uma amiga que me deixou preocupada e me levou a reflectir sobre o valor da identidade. Ainda não tem trinta anos, mas para lá caminha, vive sob o controlo dos pais e do namorado, ao pormenor, ao segundo. Quem é, do que gosta, o que verdadeiramente quer, … não faz ideia. Pretende casar e constituir família.
- É isso que verdadeiramente queres?
- Ah, está na hora…
Esta sensação de que está na hora (porque socialmente parece que há horas para tudo) pode levar às mais drásticas e auto-anuladoras opções.

Parece-me que estamos a começar a fazer o filme a partir do meio, e como nos faltou a primeira parte, os alicerces, a introdução, a contextualização, a fundação, corremos o risco de não perceber qual é o nosso argumento, de confundir, ou trocar, ou integrar o nosso guião no de outra personagem. E isso é mau. Digo eu. Enquanto não soubermos primeiro quais são as características da personagem principal, quais são os seus pontos fortes e fracos, os seus gostos, os seus desafios, a sua missão na vida, o seu valor, os seus limites, os seus recursos, o que tem para dar, o que precisa de receber… enquanto não nos conhecermos verdadeiramente não conseguimos perceber e viver devidamente a nossa história. Deixamos que os interesses dos outros nos comandem a vida, nos orientem, nos conduzam aos caminhos que eles acham correctos, ou mais adequados. Não pode ser, é como perder a oportunidade de viver a nossa própria vida, é como entregar aos outros o papel principal do nosso filme e limitar-se a personagem secundária, ou, pior, a figurante passivo, a marioneta manipulável e manipulada.

Por isso acredito que o melhor que podemos fazer por nós, e por onde temos de começar, é conhecermo-nos, sabermos quem somos, e, depois disso, sermos fiéis à nossa verdade, ao que sentimos lá no fundo, a gritar para não ser ignorado, a gritar para não ser traído, a gritar para não ser anulado, a gritar para que simplesmente o deixemos ser o que é. Não há outra maneira de se ser feliz (nem de fazer os outros felizes) e de se viver o papel principal com dignidade e com plena realização.

Não abdiquemos do nosso filme!

(Imagem: Define Yourself, poster)

Thursday, April 19, 2007

 

Gervásio: Em carta-resposta

Aldina,

Em primeiro lugar, quero agradecer-te as palavras simpáticas que me dirigiste, fiquei sensibilizado.

Em segundo (mas de primeira importância), um agradecimento também, desta vez por me pedires uma reflexão que é sempre benéfica para nosso autoconhecimento e crescimento.

Sobre as minhas crenças e aprendizagens, perguntas-me. Caminho que se faz caminhando ou certezas absolutas e verdades definitivas? Vou tentar responder-te.

Embora na opinião que manifestaste o segundo não seja o meu caminho, e eu, à partida, também acreditava que não, agora tenho de concluir que talvez esteja a combinar as duas vertentes, em percentagens muito diferentes, obviamente.

O caminho faz-se caminhando, sem dúvida, acumulando experiências, competências, alguma sabedoria… e passo a passo ele torna-se nosso e nós tornamo-nos dele, e assim nos vamos criando. E nesta dança criativa eu diria que mais do que “o caminho faz-se caminhando”, “o caminho faz-se sentindo”. Ou seja, o caminho que escolho, percorro, faço, é aquele que interage comigo, que me chama, que me fala, que me faz sentir profundamente que é o verdadeiro para mim. Não o mais fácil, ou o mais rápido, ou o mais socialmente aceite, ou o que for, mas o que eu em cada momento SINTO que é o meu caminho.

Nem sempre vi as coisas com esta (que eu considero) clareza. Houve alturas em que me tentaram impor caminhos e impingir verdades definitivas, e eu, em nome da paz, por um lado, e por imaturidade, pelo outro, tentei aceitá-los. Até tentei honestamente. Mas rapidamente percebi que tinha de ser honesto a sério, comigo, com os outros, com a existência. Aqueles caminhos e aquelas supostas verdades não tinham nada a ver comigo, eram na sua maioria diametralmente opostos àquilo em que eu acreditava. E libertei-me. E assim aprendi a ouvir, a fazer, a seguir o meu caminho. E também aprendi que quando somos honestos ficamos todos muito mais felizes, porque quando eu me anulava em nome da paz, e embora na altura não o percebesse, não conseguia mais do que uma paz podre, porque eu não estava bem, e por consequência o resto também não.

Portanto, pode exigir força e coragem mas o nosso caminho deve ser feito por nós, e a nossa verdade é aquela que faz ressonância na nossa alma, que faz tocar os sininhos cá dentro que dizem “Isso é verdade. Vai por aí”.

Certezas absolutas e verdades definitivas não creio que possam existir, nem as que os outros me imponham, nem as que eu possa impingir a mim próprio. Porque o que é verdade para mim hoje pode amanhã, com outros dados e outra visão e outra evolução, já não ser. Temos de combinar de forma equilibrada a firmeza das nossas convicções com a flexibilidade para as refazermos e adaptarmos conforme progredimos. É uma questão de estarmos sempre dispostos a estar em sintonia e sentir qual é a nossa verdade e o nosso caminho aqui e agora. Vamos vendo, sentindo, intuindo… e tudo se encaixa de forma perfeita, passamos a sentir que tudo está certo, no sítio certo, da forma certa… Às vezes até dolorosa, mas sempre certa, para nos levar mais longe e mais alto.

Contudo, e em consequência da questão que me colocaste, eu que me considerava anti-verdades absolutas, concluí que também tenho uma certeza absoluta e uma verdade definitiva: que Deus existe, que está comigo, e com todos, que nos protege e guia e ajuda a crescer, que nos acompanha em todos os momentos e nos fala sempre que o queiramos ouvir. E algo me diz que esta é uma verdade que eu no futuro não vou ter de reformular mas sim de confirmar cada vez mais.


Despeço-me com beijos, não de bico (como me deste) mas de alma.
Gervásio
:)

P.S. Desculpa incluir fotos numa carta, não é muito vulgar (mas quem é que quer ser vulgar?), apeteceu-me, de alguma forma falam de aspectos diferentes do meu caminho. Foi a Olga que tirou, ela costuma passar por cá. Até já me fez uma entrevista.

Wednesday, April 04, 2007

 

Gervásio - O Regresso




Gervásio é um ser pacato…
Foi assim que começou o relato dos seus problemas existenciais. Era diferente, muito diferente dos demais. Depois de várias tentativas no sentido de se adaptar, sem sucesso, e de outras tantas no sentido de alertar os companheiros, com menos sucesso ainda, assumiu definitivamente o seu desalento e reuniu a coragem necessária para partir em busca dos seus ideais (e de si próprio). E assim terminou o relato.

Mas partir não tem de ser a solução, dizem a Aldina e MC (nos comentários), e eu estou de acordo.

Nesta sequência, movida pela curiosidade de saber até que ponto a partida do Gervásio tinha sido uma boa solução, voltei ao lago. Saberia alguém do seu paradeiro? Notícias suas? Estaria bem? Feliz? Realizado?

Imaginava que pudesse conseguir alguma informação que me ajudasse a perceber em que tinha resultado o seu processo, mas as minhas expectativas foram largamente superadas, nunca imaginei encontrar no lago para me dar informações, em carne e osso e penas: o próprio Gervásio!

Não resisti a pedir-lhe uma entrevista, que amavelmente aceitou sem hesitar. E, assim sendo, segue-se:

Gervásio em entrevista exclusiva ao blog SOL

SGervásio, que bom voltar a ver-te! Como foram as tuas viagens? Muitas aventuras?

G – Sim, muitas aventuras, muitas experiências interessantes, muitas pessoas novas, realidades diferentes, mas sobretudo muitas aprendizagens.

SSuponho que tenham sido essas aprendizagens a trazer-te de volta? Confesso que estou surpreendida com o teu regresso…

G – Eu também estaria surpreendido, há algum tempo atrás, mas agora considero-me um novo homem. Aprendi muito com esta experiência.

SBem, conta, estou curiosa. O que aprendeste de tão importante que te fez mudar tanto?

G – Bom, para começar, aprendi que em todos os lugares há os que querem ver e os que preferem continuar a viver na escuridão. E isto, por incrível que pareça, foi uma espécie de revelação para mim. Eu achava que só aqui no lago é que o pessoal tinha essa atitude, estava convencido de que lá fora as pessoas seriam diferentes, mais evoluídas neste aspecto, mais abertas, mais receptivas…

SE não encontraste ninguém assim?

G – Encontrei, encontrei, sim. Mas não tantos como imaginava. E a grande maioria tem esta mesma atitude dos meus companheiros de lago.

SEntão ficaste muito desiludido, decepcionado?...

G – Não, nada disso. E aí está outra das minhas grandes aprendizagens. Aprendi a aceitá-los como são e a não ficar triste por eles serem diferentes do que eu idealizava.

SParece-me uma aprendizagem muito importante.

G – E mais, percebi que a diferença estava na minha ATITUDE. Eu explico-me melhor. Eu andava triste, desanimado e macambúzio porque os outros não partilhavam das minhas ideias e da minha maneira de ser e de estar. E eu queria, obviamente, que isso acontecesse, queria convertê-los, queria que fossem iguais a mim, porque estava convencido de que o meu caminho era o certo. Depois percebi que a chave para a solução está na forma como os encaro, não como quem está errado mas como quem, tendo também a sua centelha divina, ainda não encontrou o caminho divino.
Eu estava triste porque os outros não eram como eu, quando o que devia era estar feliz por eu ser como eu. Buscava identificação, precisava de ver a minha identidade espelhada neles. Em suma, estava mais centrado neles do que em mim. Na verdade, não estava ainda suficientemente forte, e esse era o meu maior problema.

SGrande conclusão. Revela muita maturidade.

G – E muito trabalho também, porque implica pormo-nos em causa e tentarmos perceber o que se está a passar. Tive de começar por perguntar-me “Por que fico eu zangado e irritado por os outros serem assim? Por que quero eu mudá-los? Porque quero que sejam como eu.” E concluí que muito provavelmente estava a ser intolerante, que não estava a querer aceitar que eles têm o seu percurso e o seu ritmo, e que o meu papel talvez seja apenas de incentivo através do meu exemplo.

SUma grande mudança de atitude, então?...

G – Sim e não. Ou seja, ainda acho que tenho obrigação de os tentar alertar e esclarecer e apoiar, mas não ficando esgotado com isso, não exigindo resultados imediatos, não querendo que eles fiquem e façam como e quando eu achava que deveriam. Isso não.
Eu acho que estou certo? Claro que sim!
Eu vivo de acordo com aquilo em que acredito? Sim!
Então tenho os ingredientes para ser feliz.
Os outros não estão comigo? Não acreditam no mesmo que eu? Não vivem como eu? É pena, mas não posso ficar triste com isso. Eu vivo como quero, e eles também. É um direito que todos temos.

SEstou a ver-te com outra energia, com outra força… Estás realmente muito mudado…

G – E sabes em que consiste a minha maior mudança? Precisamente na forma como me torno forte. Eu explico. Embora eu não tivesse consciência disso, eu acreditava que a única forma de me sentir forte era tendo mais alguém perto de mim a pensar, fazer e ser como eu. Fazia depender a minha força (já para não dizer a minha felicidade, o meu sentido de realização, etc.) de os outros estarem ou não estarem comigo. Percebi uma coisa muito importante, o fundamental é que eu esteja comigo, que eu seja fiel a mim, e isso dá-me logo muita força, e depois, de importância vital, aprendi a ligar-me à Fonte, a buscar a minha força no maior reservatório de energia que existe, a energia divina. E assim não fico a depender da energia dos outros, que às vezes também já é tão pouca, e não só passo a ter energia e força suficientes para mim como ainda de sobra para dar aos outros. E isto é absolutamente fantástico.

SAbsolutamente fantástico, sem dúvida.

G – Sabes, percebi muito claramente que não é por acaso que nascemos onde nascemos ou que estamos a viver num determinado local. É porque somos necessários lá, por algum motivo. É porque esse local precisa de nós e nós dele. Não querendo ser imodesto, parece-me que posso ser muito útil neste lago, porque se o pessoal aqui ainda não conseguiu ver a luz, eu talvez possa ajudá-los nisso. Basta uma pequena luz na escuridão para que se consiga começar a ver…

SSerias (ou serás) então uma espécie de Farol, é isso?

G – Sim ,acho que se pode dizer que sim… embora possa parecer um pouco pretensioso. Mas, na verdade, e com toda a humildade, o que eu queria mesmo era poder ajudar os meus conlagâneos (será que posso dizer isto? Bem, conterrâneos no lago) a viver com mais consciência, a perceber que a vida não se limita à matéria e que tem tantas dimensões, e que pode ser tão rica e tão mágica e tão… tanta coisa.

SE como é que achas que vais conseguir levar a cabo essa difícil tarefa?

G – Difícil, disseste bem. O desafio, parece-me, é, antes de mais, conseguir manter a minha forma de estar coerente com a minha forma de pensar e sentir, ser fiel à minha filosofia de vida, viver aquilo em que acredito. Também é preciso ir falando sobre isso, claro, mas só quando sentir que vai havendo receptividade, porque se eu entrar numa atitude de evangelização fanática provavelmente vou activar mais a rejeição do que a aceitação. Por isso acho que para começar o melhor é mesmo o exemplo, assumir que eu sou diferente, eu acredito em coisas diferentes, vivo de maneira diferente, etc., e acredito que pouco a pouco, de formas diferentes e por motivos diversos, eles vão começar a aproximar-se…a reflectir sobre as suas próprias vidas… a considerar mudar... a mudar… ou não… mas eu estou a fazer a minha parte.

S- No final, vieste encontrar aqui tudo aquilo de que precisavas. Afinal não precisavas de ter partido…

G – Por um lado é verdade o que dizes, por outro não. Eu não precisava de ter partido se tivesse outro nível de consciência, se tivesse conseguido aprender aqui aquilo que tinha de aprender. Mas eu não estava a conseguir, estava bloqueado, desanimado, sem força nem vitalidade. Por isso precisei de fazer as minhas aprendizagens de outra forma e noutro sítio. A começar pela coragem que tive de ir buscar ao mais fundo de mim para partir sozinho, eu que estava tão convencido de que precisava tanto de estar acompanhado. E a propósito de partidas e de coragem, descobri também que é preciso muita coragem para partir, mas ainda mais coragem para ficar, vivendo em paz e assumidamente a sua diferença. E às vezes é preciso partir para poder voltar, com outra atitude e outra força.

SEntão foi uma partida absolutamente necessária e produtiva?

G – Sim, no meu caso sim. Mas poderá haver casos em que não seja necessário partir, apenas mudar de atitude.

SHouve mais alguma coisa importante na tua aventura?

G - Ah, sim, também foi muito importante ter conhecido e manter contacto regularmente com os meus companheiros de ideais. É que às vezes também precisamos de recarregar baterias uns com os outros!

SIsso é que é crescer, Gervásio. Parabéns! Que a tua Luz continue a brilhar cada vez mais.


(Fotografia: Olga Correia)

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