Thursday, April 19, 2007

 

Gervásio: Em carta-resposta

Aldina,

Em primeiro lugar, quero agradecer-te as palavras simpáticas que me dirigiste, fiquei sensibilizado.

Em segundo (mas de primeira importância), um agradecimento também, desta vez por me pedires uma reflexão que é sempre benéfica para nosso autoconhecimento e crescimento.

Sobre as minhas crenças e aprendizagens, perguntas-me. Caminho que se faz caminhando ou certezas absolutas e verdades definitivas? Vou tentar responder-te.

Embora na opinião que manifestaste o segundo não seja o meu caminho, e eu, à partida, também acreditava que não, agora tenho de concluir que talvez esteja a combinar as duas vertentes, em percentagens muito diferentes, obviamente.

O caminho faz-se caminhando, sem dúvida, acumulando experiências, competências, alguma sabedoria… e passo a passo ele torna-se nosso e nós tornamo-nos dele, e assim nos vamos criando. E nesta dança criativa eu diria que mais do que “o caminho faz-se caminhando”, “o caminho faz-se sentindo”. Ou seja, o caminho que escolho, percorro, faço, é aquele que interage comigo, que me chama, que me fala, que me faz sentir profundamente que é o verdadeiro para mim. Não o mais fácil, ou o mais rápido, ou o mais socialmente aceite, ou o que for, mas o que eu em cada momento SINTO que é o meu caminho.

Nem sempre vi as coisas com esta (que eu considero) clareza. Houve alturas em que me tentaram impor caminhos e impingir verdades definitivas, e eu, em nome da paz, por um lado, e por imaturidade, pelo outro, tentei aceitá-los. Até tentei honestamente. Mas rapidamente percebi que tinha de ser honesto a sério, comigo, com os outros, com a existência. Aqueles caminhos e aquelas supostas verdades não tinham nada a ver comigo, eram na sua maioria diametralmente opostos àquilo em que eu acreditava. E libertei-me. E assim aprendi a ouvir, a fazer, a seguir o meu caminho. E também aprendi que quando somos honestos ficamos todos muito mais felizes, porque quando eu me anulava em nome da paz, e embora na altura não o percebesse, não conseguia mais do que uma paz podre, porque eu não estava bem, e por consequência o resto também não.

Portanto, pode exigir força e coragem mas o nosso caminho deve ser feito por nós, e a nossa verdade é aquela que faz ressonância na nossa alma, que faz tocar os sininhos cá dentro que dizem “Isso é verdade. Vai por aí”.

Certezas absolutas e verdades definitivas não creio que possam existir, nem as que os outros me imponham, nem as que eu possa impingir a mim próprio. Porque o que é verdade para mim hoje pode amanhã, com outros dados e outra visão e outra evolução, já não ser. Temos de combinar de forma equilibrada a firmeza das nossas convicções com a flexibilidade para as refazermos e adaptarmos conforme progredimos. É uma questão de estarmos sempre dispostos a estar em sintonia e sentir qual é a nossa verdade e o nosso caminho aqui e agora. Vamos vendo, sentindo, intuindo… e tudo se encaixa de forma perfeita, passamos a sentir que tudo está certo, no sítio certo, da forma certa… Às vezes até dolorosa, mas sempre certa, para nos levar mais longe e mais alto.

Contudo, e em consequência da questão que me colocaste, eu que me considerava anti-verdades absolutas, concluí que também tenho uma certeza absoluta e uma verdade definitiva: que Deus existe, que está comigo, e com todos, que nos protege e guia e ajuda a crescer, que nos acompanha em todos os momentos e nos fala sempre que o queiramos ouvir. E algo me diz que esta é uma verdade que eu no futuro não vou ter de reformular mas sim de confirmar cada vez mais.


Despeço-me com beijos, não de bico (como me deste) mas de alma.
Gervásio
:)

P.S. Desculpa incluir fotos numa carta, não é muito vulgar (mas quem é que quer ser vulgar?), apeteceu-me, de alguma forma falam de aspectos diferentes do meu caminho. Foi a Olga que tirou, ela costuma passar por cá. Até já me fez uma entrevista.

Comments:
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Tudo está em constante metamorfose até repousar em silêncio absoluto.

Os caminhos serão sempre muitos em muitas vidas enquanto quisermos caminhar.

Só há um caminho o nosso e de mais ninguém. Aquele que em verdade nos leva ao Altar do Silêncio.

O resto é um entretenimento enquanto quisermos brincar experimentando vidas. Já que queremos brincar façamo-lo em amor profundo da melhor forma que sabemos.

O meu caminho é uma oração constante até romper todos os véus das ilusões onde a Luz Perene me aguarda.

E o teu Olga?

Abraço amigo e beijinho.

Om-Lumen
 
Olá Gervásio!
Li a tua carta, que muito me sensibilizou, mas este fim de semana não vou mesmo ter tempo para responder.
Espero que para os primeiros dias da próxima semana, OK?
Beijinhos e bfs.
 
Olá Gervásio!
Cá estou, como prometido.
Não esperava que me respondesses numa "carta" a mim dirigida, mas já que isso te serviu para reflectir, tudo bem.
Obrigada por partilhares essas reflexões, não apenas comigo, mas com todos os que por aqui passam.

Mais uma vez confirmaste a profundidade do teu pensamento e do teu sentir.
Como tu, acho importante ser-se verdadeiro consigo próprio, e seguir o caminho que sentimos ser o nosso.
Como dizes também, as verdades são sempre relativas e evolutivas, até para nós próprios em diferentes épocas da vida.

Quanto à tua certeza absoluta final - a existência de Deus, a sua protecção, etc, aí sou eu que preciso de reflectir.
Não é coisa para fazer de repente, nem para resumir num comentário destes, mas deixo-te aqui algumas razões da minha falta de certezas.

Logo à partida, não sei definir Deus:
Será a tal entidade criadora, omnipotente, etc., mas algo antropomórfica que nos ensinaram? (não sei se por nos ter criado à Sua imagem, ou porque nós O criámos à nossa): Concebêmo-lo como um ser individualizado, um pai (que por vezes prefere alguns dos seus filhos), um ser que precisa de ser amado e adorado, que por vezes tem reacções de ira e vingança - características bem humanas e frequentes na Bíblia.
Se não é este o nosso Deus, então talvez seja melhor designá-lo de outro modo, já que a simples palavra "Deus" está demasiado colada a estas conotações.

Ou será Deus uma espécie de energia primordial (que eu realmente não sei definir) e então talvez fosse melhor falar de Energia Divina? Mas esta noção (mesmo vaga) também não é nenhuma certeza para mim.

De momento, e à falta de respostas satisfatórias, aproximo-me mais da visão budista: creio que servindo-se (entre outras coisas) de estados alterados da consciência, eles acreditam em seres iluminados e outros em evolução (que poderão proteger-nos ou guiar-nos, não sei se até criar ou participar na evolução de outros seres), acreditam em diferentes dimensões e planos existenciais, numa ordem e leis universais.
Mas abstêm-se geralmente de falar de Deus, já que também para eles é um conceito demasiado vago e mesmo inacessível ao nível em que nos encontramos (isto a partir do pouco que eu conheço das grandes linhas do budismo).

Mas que o nosso ser é e anseia por muito mais para além do físico e material, disso não tenho qualquer dúvida; que a passagem por este mundo corresponde à experiência na matéria feita pelos seres espirituais que somos, também não me faz confusão.
Até podemos descobrir algumas das tais leis universais não físicas, como a de causa-efeito (carma), a da atracção dos semelhantes, a da energia do pensamento e da palavra, a da energia e poder do amor, etc.

Bom, mas vou continuar a reflectir em privado, que o "comentário" já vai longo e eu já aqui deixei alguma confusão. Desculpa.

Beijinhos e boa semana.
 
Om-Lumen:
Metamorfoses, alguns silêncios, muitos caminhos... tudo em Amor e da melhor forma que conseguirmos.

O meu caminho?... Em direcção ao Amor, à Luz, à Paz... na maior sintonia possível com o divino... caminhando...
:)

Aldina:
Pois é, o Gervásio quis escrever-te uma carta e eu deixei-o...

Compreendo que Deus seja um conceito algo difícil de definir. Na verdade, a mim não me preocupa muito o nome que se lhe dá ou a forma que tem, interessa-me que sinto a sua existência e isso é para mim o mais importante.

Por que será que te parece que "por vezes prefere alguns dos seus filhos"?

"Um ser que precisa de ser amado e adorado" é uma expressão que não se encaixa na minha lista de características que atribuo a Deus, ou à energia divina, ou ao que lhe quisermos chamar.

“Que por vezes tem reacções de ira e vingança” também é um termo que eu não aplicaria ao que considero uma entidade divina.

Eu acredito que todos os caminhos vão dar a Roma e que não são incompatíveis mas complementares. Tantos são os caminhos que levam à mesma Fonte…
:)
 
Olá Olga!
Só um pequeno esclarecimento:
Eu referia-me ao Deus bíblico e das religiões:
1- O povo de Israel é o eleito, são os seus filhos predilectos.
2-A necessidade de ser amado e adorado começa no Antigo Testamento e continua até às orações e obrigações actuais em todas as religiões monoteístas.
3-A ira e vingança divina são expressas com frequência na Bíblia e também nos Evangelhos quando se faz referência ao juízo final.

Se aludi a isto é porque este Deus individualizado e humanizado é a referência que temos mais presente, sendo difícil descolar totalmente dela ao falar de Deus.

E para descolar, cada um irá inventar o seu Deus, com as características que mais lhe agradarem.

Como eu não tenho a pretensão de ser inventora de nenhum Deus (dizer "para mim Deus é ..."), limito-me a constatar que não o sei definir, o que não limita a minha apetência e necessidade do espiritual.

Resumindo: procuro o espiritual que me está mais próximo e acessível, sem me preocupar com o mais vago ou inacessível, mesmo que ele me atravesse.

Não sei se deu para entender. Isto é um assunto demasiado complexo.
Mas é verdade que todos os caminhos vão dar a Roma, neste caso à Roma supra-física.

Beijinhos e bom feriado.
 
Só agora é que reparei:
Postei como "margri", mas sou a Aldina.

"Margri" é o pseudónimo de um blogue que há pouco tempo iniciei.
Não tem especialmente (ou directamente) a ver com espiritualidade, embora ela esteja presente em todos os actos da minha vida.
Mas o espiritual não impede que o físico e o social continuem a ter o seu lugar e que se interpenetrem.

Já agora poderás, se quiseres, conhecer um pouco dessa minha outra face.

Beijinhos.

Aldina/Margri
 
Aldina / Margri:

As bíblias e as religiões têm a desvantagem (no meu ponto de vista, obviamente) de subsistir à custa de filtros humanos, com limitações e imperfeições. Sim, a bíblia refere todos esses aspectos, mas a mensagem que foi originalmente transmitida, a mensagem que foi depois descrita e divulgada e, por último, a mensagem que é interpretada sofre muito ruído pelo caminho e pode transformar-se em mil mensagens que podem nada ter a ver com a mensagem inicial e com a intenção de quem a transmitiu. Segundo parece, a própria Igreja tem tido muito interesse, ao longo dos tempos, em torcer, truncar, trocar, etc. conforme lhe convinha para manter “as ovelhas sob controlo” e subjugadas ao seu poder, através do medo ou de outra coisa qualquer. Não estou com isto a dizer que não dou crédito aos escritos bíblicos, apenas que os encaro com algum relativismo, que admito a possibilidade de que tenham sido desviados do original, como tem sido tanta coisa ao longo da história. Não foi por acaso que durante tanto tempo a Igreja evitou que as pessoas tivessem acesso directo ao discurso divino, por um lado mantendo até tão tarde a celebração das missas em latim, por outro insistindo no ritual da confissão, o que torna as pessoas dependentes dos padres para serem perdoadas e “salvas”, etc, etc, etc. O que me parece, em termos globais, é que se tenta evitar que as pessoas tenham acesso directo a Deus, que possam falar com ele e ouvi-lo, que possam elas próprias pedir o perdão e distinguir as mensagens divinas, e por aí fora. É que se as pessoas percebessem que tinham esta bênção à sua disposição, o que era feito dos padres? Perdiam, com certeza, muito do seu poder, e isso, adivinha-se, em nada lhes conviria.

Isto tudo para dizer, muito simplesmente, que eu acredito que a forma mais fácil, fidedigna, directa, confiável, … de entendermos Deus é através da relação directa com ele, através do que sentimos no nosso coração (ou na nossa alma, ou no que quisermos chamar ao que existe de mais profundo e sábio em nós) como sendo ou não sendo verdade. Neste contexto, há muitas coisas que se dizem de Deus que eu sinto que não se encaixam. Ok, grande atrevimento, quem sou eu para pôr em causa? Não o sei explicar, só sei afirmar que o sinto.
Por exemplo, não acredito que seja discriminatório com os seus filhos, como não seria qualquer pai minimamente decente. O povo de Israel foi o eleito? Certo. Mas talvez não por terem sido escolhidos à partida e sim por estarem nas melhores condições, por estarem mais receptivos do que os outros, mais disponíveis para trilhar o caminho divino, mais preparados…; as orações e obrigações são apresentadas pelas igrejas como sendo “impostas” por Deus, mas será isso que ele verdadeiramente quer? Não foi o próprio Jesus tão mal interpretado também? Não foram tantas barbaridades cometidas em nome da igreja um “mero” erro de interpretação?

Enfim, não digo que cada um invente o seu Deus mas que cada um SINTA Deus, sem intermediários ou intérpretes, porque a cada um ele fala de acordo com o que cada um melhor entende…

:)
 
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