Wednesday, April 04, 2007

 

Gervásio - O Regresso




Gervásio é um ser pacato…
Foi assim que começou o relato dos seus problemas existenciais. Era diferente, muito diferente dos demais. Depois de várias tentativas no sentido de se adaptar, sem sucesso, e de outras tantas no sentido de alertar os companheiros, com menos sucesso ainda, assumiu definitivamente o seu desalento e reuniu a coragem necessária para partir em busca dos seus ideais (e de si próprio). E assim terminou o relato.

Mas partir não tem de ser a solução, dizem a Aldina e MC (nos comentários), e eu estou de acordo.

Nesta sequência, movida pela curiosidade de saber até que ponto a partida do Gervásio tinha sido uma boa solução, voltei ao lago. Saberia alguém do seu paradeiro? Notícias suas? Estaria bem? Feliz? Realizado?

Imaginava que pudesse conseguir alguma informação que me ajudasse a perceber em que tinha resultado o seu processo, mas as minhas expectativas foram largamente superadas, nunca imaginei encontrar no lago para me dar informações, em carne e osso e penas: o próprio Gervásio!

Não resisti a pedir-lhe uma entrevista, que amavelmente aceitou sem hesitar. E, assim sendo, segue-se:

Gervásio em entrevista exclusiva ao blog SOL

SGervásio, que bom voltar a ver-te! Como foram as tuas viagens? Muitas aventuras?

G – Sim, muitas aventuras, muitas experiências interessantes, muitas pessoas novas, realidades diferentes, mas sobretudo muitas aprendizagens.

SSuponho que tenham sido essas aprendizagens a trazer-te de volta? Confesso que estou surpreendida com o teu regresso…

G – Eu também estaria surpreendido, há algum tempo atrás, mas agora considero-me um novo homem. Aprendi muito com esta experiência.

SBem, conta, estou curiosa. O que aprendeste de tão importante que te fez mudar tanto?

G – Bom, para começar, aprendi que em todos os lugares há os que querem ver e os que preferem continuar a viver na escuridão. E isto, por incrível que pareça, foi uma espécie de revelação para mim. Eu achava que só aqui no lago é que o pessoal tinha essa atitude, estava convencido de que lá fora as pessoas seriam diferentes, mais evoluídas neste aspecto, mais abertas, mais receptivas…

SE não encontraste ninguém assim?

G – Encontrei, encontrei, sim. Mas não tantos como imaginava. E a grande maioria tem esta mesma atitude dos meus companheiros de lago.

SEntão ficaste muito desiludido, decepcionado?...

G – Não, nada disso. E aí está outra das minhas grandes aprendizagens. Aprendi a aceitá-los como são e a não ficar triste por eles serem diferentes do que eu idealizava.

SParece-me uma aprendizagem muito importante.

G – E mais, percebi que a diferença estava na minha ATITUDE. Eu explico-me melhor. Eu andava triste, desanimado e macambúzio porque os outros não partilhavam das minhas ideias e da minha maneira de ser e de estar. E eu queria, obviamente, que isso acontecesse, queria convertê-los, queria que fossem iguais a mim, porque estava convencido de que o meu caminho era o certo. Depois percebi que a chave para a solução está na forma como os encaro, não como quem está errado mas como quem, tendo também a sua centelha divina, ainda não encontrou o caminho divino.
Eu estava triste porque os outros não eram como eu, quando o que devia era estar feliz por eu ser como eu. Buscava identificação, precisava de ver a minha identidade espelhada neles. Em suma, estava mais centrado neles do que em mim. Na verdade, não estava ainda suficientemente forte, e esse era o meu maior problema.

SGrande conclusão. Revela muita maturidade.

G – E muito trabalho também, porque implica pormo-nos em causa e tentarmos perceber o que se está a passar. Tive de começar por perguntar-me “Por que fico eu zangado e irritado por os outros serem assim? Por que quero eu mudá-los? Porque quero que sejam como eu.” E concluí que muito provavelmente estava a ser intolerante, que não estava a querer aceitar que eles têm o seu percurso e o seu ritmo, e que o meu papel talvez seja apenas de incentivo através do meu exemplo.

SUma grande mudança de atitude, então?...

G – Sim e não. Ou seja, ainda acho que tenho obrigação de os tentar alertar e esclarecer e apoiar, mas não ficando esgotado com isso, não exigindo resultados imediatos, não querendo que eles fiquem e façam como e quando eu achava que deveriam. Isso não.
Eu acho que estou certo? Claro que sim!
Eu vivo de acordo com aquilo em que acredito? Sim!
Então tenho os ingredientes para ser feliz.
Os outros não estão comigo? Não acreditam no mesmo que eu? Não vivem como eu? É pena, mas não posso ficar triste com isso. Eu vivo como quero, e eles também. É um direito que todos temos.

SEstou a ver-te com outra energia, com outra força… Estás realmente muito mudado…

G – E sabes em que consiste a minha maior mudança? Precisamente na forma como me torno forte. Eu explico. Embora eu não tivesse consciência disso, eu acreditava que a única forma de me sentir forte era tendo mais alguém perto de mim a pensar, fazer e ser como eu. Fazia depender a minha força (já para não dizer a minha felicidade, o meu sentido de realização, etc.) de os outros estarem ou não estarem comigo. Percebi uma coisa muito importante, o fundamental é que eu esteja comigo, que eu seja fiel a mim, e isso dá-me logo muita força, e depois, de importância vital, aprendi a ligar-me à Fonte, a buscar a minha força no maior reservatório de energia que existe, a energia divina. E assim não fico a depender da energia dos outros, que às vezes também já é tão pouca, e não só passo a ter energia e força suficientes para mim como ainda de sobra para dar aos outros. E isto é absolutamente fantástico.

SAbsolutamente fantástico, sem dúvida.

G – Sabes, percebi muito claramente que não é por acaso que nascemos onde nascemos ou que estamos a viver num determinado local. É porque somos necessários lá, por algum motivo. É porque esse local precisa de nós e nós dele. Não querendo ser imodesto, parece-me que posso ser muito útil neste lago, porque se o pessoal aqui ainda não conseguiu ver a luz, eu talvez possa ajudá-los nisso. Basta uma pequena luz na escuridão para que se consiga começar a ver…

SSerias (ou serás) então uma espécie de Farol, é isso?

G – Sim ,acho que se pode dizer que sim… embora possa parecer um pouco pretensioso. Mas, na verdade, e com toda a humildade, o que eu queria mesmo era poder ajudar os meus conlagâneos (será que posso dizer isto? Bem, conterrâneos no lago) a viver com mais consciência, a perceber que a vida não se limita à matéria e que tem tantas dimensões, e que pode ser tão rica e tão mágica e tão… tanta coisa.

SE como é que achas que vais conseguir levar a cabo essa difícil tarefa?

G – Difícil, disseste bem. O desafio, parece-me, é, antes de mais, conseguir manter a minha forma de estar coerente com a minha forma de pensar e sentir, ser fiel à minha filosofia de vida, viver aquilo em que acredito. Também é preciso ir falando sobre isso, claro, mas só quando sentir que vai havendo receptividade, porque se eu entrar numa atitude de evangelização fanática provavelmente vou activar mais a rejeição do que a aceitação. Por isso acho que para começar o melhor é mesmo o exemplo, assumir que eu sou diferente, eu acredito em coisas diferentes, vivo de maneira diferente, etc., e acredito que pouco a pouco, de formas diferentes e por motivos diversos, eles vão começar a aproximar-se…a reflectir sobre as suas próprias vidas… a considerar mudar... a mudar… ou não… mas eu estou a fazer a minha parte.

S- No final, vieste encontrar aqui tudo aquilo de que precisavas. Afinal não precisavas de ter partido…

G – Por um lado é verdade o que dizes, por outro não. Eu não precisava de ter partido se tivesse outro nível de consciência, se tivesse conseguido aprender aqui aquilo que tinha de aprender. Mas eu não estava a conseguir, estava bloqueado, desanimado, sem força nem vitalidade. Por isso precisei de fazer as minhas aprendizagens de outra forma e noutro sítio. A começar pela coragem que tive de ir buscar ao mais fundo de mim para partir sozinho, eu que estava tão convencido de que precisava tanto de estar acompanhado. E a propósito de partidas e de coragem, descobri também que é preciso muita coragem para partir, mas ainda mais coragem para ficar, vivendo em paz e assumidamente a sua diferença. E às vezes é preciso partir para poder voltar, com outra atitude e outra força.

SEntão foi uma partida absolutamente necessária e produtiva?

G – Sim, no meu caso sim. Mas poderá haver casos em que não seja necessário partir, apenas mudar de atitude.

SHouve mais alguma coisa importante na tua aventura?

G - Ah, sim, também foi muito importante ter conhecido e manter contacto regularmente com os meus companheiros de ideais. É que às vezes também precisamos de recarregar baterias uns com os outros!

SIsso é que é crescer, Gervásio. Parabéns! Que a tua Luz continue a brilhar cada vez mais.


(Fotografia: Olga Correia)

Comments:
Cedo percebi que, nos blogues, andava à procura dos meus companheiros de alma na internet. Pensei ter encontrado alguns, mas a coisa não desenvolveu, talvez por não me abrir muito ou por não ter blog ou etc.
Há poucos dias resolvi deixar os blogs, principalmente deixar de comentar, principalmente,parar de procurar (mas hoje e até agora comentei em 3 :) com este),porque decidi passar a OLHAR mais para as pessoas que eu conheço pessoalmente: família, colegas de trabalho, vizinhos... A esses eu posso tocar, abraçar, olhar de olhos nos olhos...

Foi a viagem e o regresso, à minha maneira... :)
O teu blog, tu, ajudaste-me muito nesta fase ***
MC
 
Isto realmente dá pano para mangas!

O Gervásio apresenta nesta reportagem todas as faces do velho problema da insatisfação relativamente ao meio em que se vive: Porquê partir? Porquê regressar? Quem não precisa de partir? Como viver a sua diferença no meio da "normalidade" ambiente? Como agir nesse meio?
O nosso Gervásio soube responder exaustiva e inteligentemente a todas estas questões e a outras, pelo que não vou repeti-lo.

Apenas me permito destacar uma das suas ideias, que muitas vezes esquecemos: "Também é preciso ir falando sobre isso, mas só quando sentir que vai havendo receptividade, porque se eu entrar numa atitude de evangelização fanática, provavelmente vou activar mais a rejeição que a aceitação".
Concordo plenamente. Não se pode exigir que os outros mudem de um dia para o outro, nem sequer que mudem: Eles também têm o percurso deles, que pode ser paralelo e interligado com o nosso, mas ser diferente.
Dou ainda razão ao Gervásio quando diz que aprendeu a aceitar os companheiros; é uma sábia atitude, que lhe permitirá certamente progredir no seu caminho ascendente, e também descobrir nos amigos qualidades que ignorava (apesar das diferenças).
Se agisse de outro modo, ele correria (e nós corremos) o risco do desvio para qualquer fanatismo, à semelhança de outros de má memória (mas de boa intenção), em que se evangelizavam povos à força para os livrar das chamas infernais, já que "fora da Igreja não há salvação".

Para concluir, e porque o Gervásio demonstrou ter a inteligência e a humildade próprias dos sábios, pedir-lhe-ia para reflectir sobre as suas próprias crenças e aprendizagens: têm elas a ver com o caminho que se faz caminhando, ou com certezas absolutas e verdades definitivas?
Esta última hipótese não me parece a mais adequada para este Gervásio.

Bom, mas já ocupei demasiado espaço.

Até um dia destes (vou ter o tempo mais ocupado, mas voltarei sempre que puder).

Beijinhos (de bico para o Gervásio)
 
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Voltarei para ler com calma.

Olga, quero desejar-te uma Páscoa Feliz :-)

Se ainda não conheces a voz de Lisa Gerrard e se quiseres vê o meu último post no blog Om-Lumen.

Um abraço amigo.

Om-Lumen
 
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MC:
Porque estamos sempre em viagens e em regressos, que o sol te ilumine nessas caminhadas.
Que bom que pude ser útil de alguma forma. Obrigada pela tua passagem por aqui.
:)

Aldina:
Obrigada pelo teu comentário (e pelo desafio), e por, mais uma vez, dares origem a reflexões e a posts ;)
És sempre bem-vinda para ocupares todo o espaço que quiseres. É nosso.
:)

Om-Lumen:
Espero que tenhas tido uma boa Páscoa.
Já ouvi a música. Obrigada.
Um abraço para ti também.
:)

Luzidium:
É provável que se entendessem bem, sim, o Gervásio é um ser de fácil trato, simples, modesto, ligado ao Alto,... E se a tua base é a "luz", tudo em sintonia.
Eu e o patinho desperto agradecemos. Tudo de bom para ti também.
:)
 
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