Wednesday, August 16, 2006

 

Pedincha ou doação?



“Há palavras que nos beijam” diz um verso de Alexandre O’Neill. A mim apetece-me hoje dizer: Há expressões que nos marcam.

E a que me marcou desta vez foi “amor pedinte”. Já muitas vezes vi este conceito, exposto de várias maneiras, mas esta expressão, “amor pedinte”, teve sobre mim um efeito mais dramático. Visualizei logo um desgraçadinho a representar o amor, tão pobre que precisa de pedir para sobreviver.

E pensei: Realmente, quem é que quer amar ou ser amado com um amor pedinte, carente, pobre, em falta?... É certo que não é fácil, somos humanos, temos tendência a querer que nos preencham os nossos vazios, que nos curem as nossas feridas, que alguém venha com uma varinha mágica e nos transforme em pessoas completas, felizes, realizadas… Mas isso não vai acontecer. No máximo pode alguém colocar-nos um “penso”, mas curar a ferida, a partir de dentro e não de fora, é de nossa responsabilidade. Exclusiva. E com que frequência nos esquecemos disto!...

Quem não tem está em falta (parece uma das verdades da Lili!), e pede; quem tem está bem, equilibrado, em abundância, e dá. Não, não é fácil, é muito mais cómodo pedir que alguém nos dê do que desenvolver em nós aquilo de que necessitamos, é mais fácil enganarmo-nos pensando que só quando tivermos connosco o objecto do nosso amor vamos ser felizes, só quando nos corresponder (ou “só quando” outra coisa qualquer) é que vamos conseguir apreciar o arco-íris. Que ilusão. Vemos isto tudo trocado. A felicidade não é construída de fora para dentro (dependendo dos outros), mas de dentro para fora (dependendo de nós). A vida só se torna plena quando deixarmos de ser pedintes e passarmos a ser doadores.

O amor verdadeiro implica dádiva, não carência, e para sabermos amar temos de estar bem sozinhos primeiro, felizes, realizados, cheios de amor para dar. Caso contrário somos pedintes, mendigos a pedinchar a atenção e o amor dos outros. Tentamos esconder esta verdade debaixo do tapete para ninguém ver, nem nós, mas enquanto não tomarmos consciência disto não estamos a viver todo o nosso potencial, tudo aquilo para que fomos feitos, que pode ser tanto, se nos dispusermos a deixar de viver cronicamente doentes.


(Imagem: Fotografia Olga Correia)

Comments:
Bem verdade. Belo texto.

Beijo
 
Texto lindíssimo, claro e muito, muito verdadeiro. Se não está em nós, pouco vale procurar nos outros; lições que aprendemos com o decorrer da vida… Helena
 
E só conseguimos estar "cheios de amor para dar" se estivermos cheios de amor por nós.
 
Tim_Booth: Obrigada :)

Helena: Obrigada também.
E quando conseguimos aprender essas lições é muito bom, pior é se passam ao lado sem que se dê conta de que era suposto serem lições...
:)

Rosa: Bingo! Nem mais...
:)
 
Post a Comment



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?