Tuesday, January 23, 2007

 

Em louvor da ovelha negra














CÂNTICO NEGRO

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
…………………………………………………………………..

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
………………………………………………………………………...

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

JOSÉ RÉGIO


Um poema de que gosto muito, com uma ressalva muito importante: posso até ir por aí, não é só porque mo indicam que o vou rejeitar, posso até concluir que é esse o meu caminho e nesse caso segui-lo-ei, mas só se for cumprida esta fundamental condição: que eu o considere como o meu caminho, independentemente de também mo terem apontado ou não.

Então, na minha perspectiva, precisava de mudar a última parte do poema (que desenvolve uma teoria excelente de individuação e autoconsciência mas depois recusa liminarmente um caminho só porque lhe foi dito para o seguir).

Não é positivo seguir indiscriminadamente tudo o que os outros indicam mas também não é boa política rejeitar só por rejeitar, por mera questão de afirmação, cega, sem reflectir se esse poderia até ser um bom caminho.

Portanto, em vez de:
“Sei que não vou por aí!”

Deveria ser qualquer coisa como:
Sei que ninguém me obriga a ir por aí
ou
Sei que talvez até possa ir por aí

Mas se, e só se, eu assim o entender!

(Imagens: Fotografia Olga Correia)

Comments:
Também gosto muito deste poema, fascina-me desde os bancos da escola. Tem uma força e uma sonoridade fantásticas, é um vendaval musical. Mas acho que o José Régio explica bem porque não vai por aí: porque “ao que busco saber nenhum de vós responde”, porque “corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós”, porque “vós amais o que é fácil!”, ao contrário de tudo o que ele diz que o motiva. É uma contestação a modos de Ser perfeitamente identificados, não me parece que seja uma contestação por simples espírito contestatário ou questão de afirmação. Mais do que uma teoria de individuação ou de auto-consciência, leio-o como um desabafo de lassidão (que leva a uma forte reacção) relativamente a quem não tem nada para lhe dar, e que insiste em o querer “formatar” (adoro o “ Eu olhos-os com olhos lassos / (há, nos meus olhos, ironias e cansaços) / E cruzo os braços / E nunca vou por ali…”). Ele quer individuação, sim, mas contra o muito típico conformismo e “pequenismo” português.

Um abraço, foi bom reencontrar este velho mas sempre novo texto.
Filipa.
 
Filipa:
Tens toda a razão, e a literatura, como a arte no geral, tem esta característica fantástica de poder ser interpretada de diversas formas. Também faço essa interpretação, considerando esta atitude como uma forma global de ver a vida, uma orientação a seguir. Mas depois gosto de a particularizar, de a entender não apenas como uma forma de ser, mais global, mas como uma forma de agir, mais particular, visível nos vários aspectos e momentos do percurso.

Se o entendermos como uma escolha a cada instante do percurso, um constante ter de pensar, sentir, avaliar perante cada cruzamento qual o caminho a seguir, poderei muitas vezes não seguir o que me indicam, mas outras poderei até concluir que, por coincidência, aquele que é indicado é também o que eu considero certo. Este “vem por aqui”, que se ouve todos os dias em relação a quase tudo, indica, na maior parte dos casos, o caminho que não quero seguir, o que não implica que esporadicamente não aponte para o sítio certo.

Ler o poema à luz do contexto português, tendo em conta o cenário de vida do autor é uma posição muito legítima. Mas eu prefiro descontextualizá-lo, separar o poema do autor e da época e aplicá-lo à vida, sem barreiras cronológicas ou espaciais.

Senti necessidade de fazer esta ressalva tendo em conta a experiência que tenho tido com várias pessoas. Muitas optam por seguir os caminhos indicados, indiscriminadamente, sem critério pessoal, sem verdadeira consciência do motivo e do rumo que estão a tomar. Seguem o “rebanho”, simplesmente. Outros há que de tanto quererem ser diferentes acabam por cair na mesma inconsciência rejeitando também sem critério apenas porque foram os outros a indicá-lo.
O que eu queria reforçar neste post era a necessidade do equilíbrio, de não aceitar ou rejeitar cegamente, de termos um critério que é o da nossa consciência, do nosso coração, da nossa alma, do nosso ser mais profundo (chamemos-lhe o que quisermos), algo que nos aproxima cada vez mais da nossa verdade, que nos individualiza, mas que não nos escraviza. E rejeitar só porque os outros disseram é uma escravidão tão grande como aceitar tudo sem discriminação.

E neste contexto, se não sei ainda, porque ainda não o senti ou concluí, “por” nem “para” onde vou, nada me garante que não venha a concluir que até vou por aí.

:)
 
Não consigo ver nada...
Nem o ir por aí..
Nem o vem por aqui...
NADA!
 
Estranha Pessoa:
Não entres em stress. Quando estamos muito ansiosos por alguma coisa às vezes bloqueamos, e se for preciso passa-nos ao lado sem darmos conta. Descontrai, fica receptiva, e o caminho mostrar-se-á.
:)
 
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