Friday, January 26, 2007

 

... mas tu não


Neste mundo conturbado, onde os nobres ideais parecem ter sido substituídos pelos de poder, riqueza e outros afins, quase se torna obrigatório pedir desculpa por se ser correcto, é quase uma humilhação pública defender as causas justas e lutar por valores que não têm como objectivo a criação de contas bancárias ou os ganhos imediatos, que satisfazem o ego mas não a alma.

Nesta conjuntura pouco favorável, não é fácil ser verdadeiro, não é fácil ser ovelha negra e remar contra a maré, contra a pressão da multidão. Não é fácil, mas é possível. Felizmente, nem todas as consciências se deixaram adormecer. Felizmente ainda há quem, muitas vezes discretamente, se recuse a baixar as armas e a desistir da luta. É desses que depende o verdadeiro progresso e a melhoria do mundo. Em sua homenagem, e para que sirvam de inspiração aos restantes, para que o mais brevemente possível todo o rebanho seja constituído por ovelhas negras, orgulhosamente assumidas como tal, aqui fica este poema fantástico:

Porque

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

Sophia de Mello Breyner Andresen

(Imagem: Photographic print, Different is Good)

Comments:
Fiquei a sentir o teu texto...

Nem sei como descrever o que senti... de início como que um "grito de revolta" mas depois, com este belo poema, veio o Amor e a Esperança...

Deixa que a LUZ que há em ti ilumine os outros tb... Olha-os com compaixão. Não percas nunca a esperança.

E vivam aqueles que como tu fazem a diferença.

Já há algum tempo que não passava por aqui. Voltarei mais vezes...

Fica bem
 
Também acho que fazes a diferença, ao trazeres mais um belo e profundo poema, de algum modo na continuação do anterior ("Não vou por aí").
O da Sophia é certamente mais preciso.
Em comum, a facilidade de seguir com o rebanho (como referes) contra a ousadia e principalmente a coragem de sermos nós próprios, de assumir os nossos valores e as nossas diferenças.

Pessoalmente, parece-me contudo ter mais aceitação quem luta contra a corrente quando se trata de grandes ideais - p. ex. injustiças sociais óbvias como o racismo, a pobreza, a corrupção (os que calculam, se compram e se vendem) - do que quem apenas defende o direito à diferença - nas crenças religiosas, nas tradições, nos comportamentos sociais. Aqueles precisam de coragem, mas acabam em geral por ser reconhecidos; estes (a não ser que juntem também os grandes ideais), continuarão a ser apenas "ovelhas negras" até que as mentalidades mudem. Demora mais tempo, mas como já disse outro dos grandes "mudam-se os tempos, mudam-se as vontades..."

Que cada um de nós ouse dar o seu contributo (grande ou pequeno) para essa mudança.

Um abraço.
Aldina
 
A Mónada:
Perder o Amor e a Esperança seria o fim... pelo menos para mim.
Não sei se faço alguma diferença, mas faço aquilo que sinto que tenho de fazer e isso deixa-me em paz.
Obrigada pela simpatia.
:)

Aldina:
Obrigada também pela tua simpatia. Não estava propriamente a pensar em mim quando escrevi sobre o tema, a ideia era que fosse um incentivo para que cada vez mais nos deixássemos de carneirismos e nos predispusessemos a sentir e viver de acordo com a nossa própria verdade.

"Que cada um de nós ouse dar o seu contributo (grande ou pequeno) para essa mudança." Absolutamente de acordo!!! Gostei do teu discurso, cheio de força!
Juntos vamos conseguir!
:)
 
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