Friday, February 09, 2007

 

Espelhos precisam-se



Gosto de fazer uma pausa num café, de vez em quando. Um sumo de laranja natural, um chá… um texto para ler ou escrever…

E às vezes, do burburinho de fundo acolhedor, sobressai uma conversa mais aguda, que agride os tímpanos e não só.

Tentei desligar, mas estavam mesmo ao meu lado. Uma jovem, outra de mais idade.

- …
- Então e não é que ela fez… e disse… (com a voz de falsete a imitar) ...
- E eu também disse-lhe logo… sim, porque eu não lhas perdoo! Eu sou assim!
- Agora anda a fazer limpezas, como as outras! Para que é que aquela mulher foi ao estrangeiro? Não é? Não achas? Queria ser senhora!
- E os pais dizem que ela trabalha num banco!
- E aquela do marido…
- Eu até sou amiga dela… (imagine-se se não fosse!)
- Da … é que eu não gosto, parece um pãozinho sem sal. E da … também não, anda sempre a dizer mal dos outros.
- …

Comentários para quê? Espelhos, isso é que era.
Porque estas santas senhoras continuaram num chorrilho infinito e um repertório bem recheado de fofoca e maledicência. Mas, espanto dos espantos, até nem gostam de quem faz o mesmo…

Será falta de outros assuntos? Por isso recorrem à vida dos outros? Mas porque não falam da sua própria? E mesmo que falem da dos outros, por que não dizem coisas boas e edificantes? Que gozo sádico dará andar sempre a apontar os agreiros nos olhos dos outros? Talvez para não se reparar na trave que está nos seus…

E que os exemplos dos outros, mesmo que maus, nos sirvam de aprendizagem.
Sempre que surgir o impulso de apontar o dedo a alguém, aproveitemos a energia para analisar primeiro se não estaremos nós a errar muito mais.

E a propósito de fofoca e maledicência, cito um texto (que recebi por e-mail e de que não conheço o autor) que me parece muito instrutivo.


FILTRO TRIPLO

Na Grécia Antiga, Sócrates detinha uma alta reputação e era muito estimado pelo seu elevado conhecimento. Um dia, um conhecido do grande filósofo aproximou-se dele e disse:
"Sócrates, sabes o que eu acabei de ouvir acerca de um amigo teu?"
"Espera um minuto", respondeu Sócrates, "Antes que me digas alguma coisa, gostaria de te fazer um teste. Chama-se o "Teste do Filtro Triplo.""
"Filtro Triplo?"
"Sim", continuou Sócrates, "Antes que me fales do meu amigo talvez fosse uma boa ideia parar um momento e filtrar aquilo que vais dizer. Por isso é que eu lhe chamei o Filtro Triplo." E continuou: "O primeiro filtro é VERDADE. Tens a certeza absoluta de que aquilo que me vais dizer é perfeitamente verdadeiro?"
"Não," disse o homem "o que acontece é que eu ouvi dizer que..."
"Então," diz Sócrates," não sabes se é verdade. Passemos ao segundo filtro, que é BONDADE. O que me vais dizer sobre o meu amigo é bom?"
"Não, muito pelo contrário..."
"Então," continuou Sócrates "Queres dizer-me algo mau sobre ele e ainda por cima nem sabes se é ou não verdadeiro. Mas, bem, pode ser que ainda passes o terceiro filtro. O último filtro é UTILIDADE. O que me vais dizer sobre o meu amigo será útil para mim?"
"Não, acho que não..."
"Bem," concluiu Sócrates, se o que me dirás não é nem bom, nem útil e muito menos sabes se é verdadeiro, para quê dizeres-me?"


(Imagem1: Lucile Montague, Mirror Image
Imagem2: Dynamic Graphics, Neighbors Gossiping)

Comments:
Olá Olga!
Já te sentia a falta.

Trazes agora um assunto do quotidiano, mas revelador de certos aspectos da natureza humana, tão complexa...
Tanto quanto posso observar, este comportamento/desporto nacional (a maledicência), tem geralmente por trás mais um desejo de auto-valorização do que propriamente de denegrir alguém; é como se as pessoas em causa estivessem a dizer "eu não sou assim", ou "eu valho mais que fulano e cicrano", mesmo que seja exactamente o contrário; e tais pessoas quase nunca estão conscientes quer desse desejo/necessidade, quer da sua própria maledicência (a prova é que não gostam de outros que também a praticam).
No fundo, são mais de lastimar que outra coisa.

Em muitos casos há ainda outro aspecto à mistura: Além de reconfortante, a maledicência é um assunto de conversa fácil, que não exige muito esforço: é como falar das maleitas pessoais ou de receitas de cozinha (sem o inconveniente de se expôr a si próprio); e quando as pessoas se encontram, é preciso falar de alguma coisa...

A natureza humana tem que se lhe diga: por trás de cada comportamento pode haver tanta coisa escondida (para os outros e para o próprio)...

Por isso, a velha norma "Conhece-te a ti mesmo" continua a ser de plena actualidade.
Talvez seja preciso mais do que um simples espelho, porque é necessário ir lá bem ao fundo.

Continuarei a passar por aqui, sempre que puderes escrever, já que trazes assuntos com interesse e muito bem apresentados (o que deve dar um certo trabalho, convenhamos).

Um abraço,
Aldina
 
Espelho meu, o que vejo em ti que não gosto (ou gosto) em mim?
Somos todos espelhos uns dos outros, mesmo...
MC
 
E no entertenimento da vida, tu, transforma o teu ruído em harmonia para que possas plantar na Terra letras que germinam em simplicidade com a tua voz interna de criança de amor.

Já não há "tempo", por isso não te detenhas com a superficialidade das coisas...

Se sentes que não consegues mudar os momentos que tu atraíste, sê uma célula silenciosa de amor vivificante que se propaga em tudo o que a tua dimensão de luz toca...

Há uma acção regeneradora no teu movimento interno de silêncio plasmando o céu aqui na Terra...

OM-Lumen
 
Entretenimento e não entertenimento (post anterior).

Acontece porque as teclas estão muito juntas ou os dedos não acertam convenientemente nelas. E porque sou lento a detectar erros. :-)))

Por onde andas e como tens andado? Passo acelerado ou calmo? :-)

Um abraço amigo.

OM-Lumen
 
Aldina:

Realmente tenho andado um pouco eremita…

Desejo de auto-valorização, dizes bem, mas que só se consegue precisamente à custa da desvalorização dos outros. Na verdade revela problemas de auto-estima que não são facilmente detectáveis pelos próprios.
“No fundo, são mais de lastimar que outra coisa” eu prefiro acreditar que são mais de ajudar que outra coisa (lá estou eu com a mania de querer ajudar quem não quer ser ajudado…), daí os espelhos para levar à consciencialização.

Obrigada pelo elogio. Volta sempre que te apetecer.
:)


MC:

É muito verdade que somos espelhos uns dos outros, e parece-me bom que assim seja porque talvez não nos apercebêssemos de alguns aspectos se assim não fosse. No entanto, é preciso que não sejamos fundamentalistas, se por um lado aquilo que me irrita no outro pode estar a mostrar-me aquilo de que não gosto em mim, por outro há características que são comummente consideradas negativas e prejudiciais, ao próprio e ao próximo, e o facto de as identificar não significa ser portador de todas elas…
:)


Om-Lumen:

Mais umas palavras do poeta... ;)

“Já não há "tempo", por isso não te detenhas com a superficialidade das coisas...” Precisamente porque já não há muito tempo é que me parece que devemos ajudar a transformar, ou pelo menos a levar à consciencialização da superficialidade. Já me conheces, sabes que posso até não conseguir mudar nada, mas não há-de ser por falta de esforço meu. E embora o silêncio seja fundamental, em certos momentos, se o tornarmos uma constante, se cada um se remeter ao seu, como é que é suposto que alguma coisa mude? Sim é muito importante “ser” Luz e Amor, e isso ajuda muito, ilumina e regenera, mas também é importante “dizer” Luz e Amor, também é importante comunicar e ajudar à consciencialização de quem ainda não despertou.

Como tenho andado, perguntas-me. Nem sei bem como descrever-te o processo. Para sintetizar digo-te apenas que ando numa espécie de tufão plutónico. Abala, abana tudo, desgasta, mas regenera. E isto em diversas frentes em simultâneo. Mas nada que uma tripla sagitariana não ultrapasse com determinação.
:)
 
"Precisamente porque já não há muito tempo é que me parece que devemos ajudar a transformar, ou pelo menos a levar à consciencialização da superficialidade."

Em sintonia contigo. Como fazê-lo? Começando em mim, escutando dentro de mim. E isso aplica-se a todos os que querem ser mais do que humanos de superfície. A minha tónica é de silêncio interno e é aí que eu quero ser...

"Já me conheces, sabes que posso até não conseguir mudar nada, mas não há-de ser por falta de esforço meu."

Não sei se te conheço e nem me importa com isso. Sinto a nobreza do teu coração por isso és uma amiga muito especial.

"E embora o silêncio seja fundamental, em certos momentos, se o tornarmos uma constante, se cada um se remeter ao seu, como é que é suposto que alguma coisa mude?"

Somos quase 7 biliões de seres humanos neste planeta. Imagina este número em silêncio interior. Achas que nada mudaria no mundo?
É suposto nascer do silêncio interior a força de amor que age sem ruído no exterior. Sinto que o passo é dado de "in" para "out".
O "tempo" que há é para trabalhar dentro. Para quem quiser.
O exterior é uma miragem, um reflexo, sustentado pela força do amor, silêncio, luz...
O silêncio não significa ausência de acção ou de palavras. No meu sentir, ele é um movimento inspirado no mais profundo e belo em nós. Mas antes de agir no exterior eu quero estar em amor maior com o meu interior. Isto sou eu... Cada um investe o seu "tempo" no que quiser...
Mas sem a purificção interior de cada partícula, por si própria, no altar do silêncio, a acção no mundo é simplesmente colocar remendos em si.

"Sim é muito importante “ser” Luz e Amor, e isso ajuda muito, ilumina e regenera, mas também é importante “dizer” Luz e Amor, também é importante comunicar e ajudar à consciencialização de quem ainda não despertou."

Em sintonia contigo. Mas só é possível ajudar quem se quer ajudar a si mesmo, quem quer despertar. Existem forças poderosas que injectam na humanidade a preocupação em ter e não de ser.
Ajudar outro irmão ou irmã? Sempre!

A acção manifesta-se neste mundo mas não pertence a ele.

OM-Lumen
 
Olá Olga,

Já há mto tempo que não parava por aqui e ainda por cima deparo com este texto cheio de ensinamentos e simplesmente explicado.

Achei genial a parte dos 3 filtros... mas mesmo assim preferia que não fosse sequer necessário usá-los... Não achas? Afinal porque é que temos de criticar a vida dos outros?

Abraço GRANDE e cheio de LUZ.

Fica bem.
 
Existem pessoas que falam dessas coisas, inúteis, sem se aperceberem de que estão pr]oximas de outras. E destilam veneno, mentiras e exageros também não faltam. No entanto existem outras, por criação, por serem de família onde na hora do almoço até o farinheiro põe as mãos nos ouvidos, falam displiscentemente sem nem julgarem que estão importunando. E o pior o assunto é de apenas uma, a outra ouvinte, está alí por ser do ramo, e aguenta calada, com a mão cheia de água, o coração disparado esperando a vez de entrar em cena.

Um beijo

Naeno
 
Om-Lumen:

“Somos quase 7 biliões de seres humanos neste planeta. Imagina este número em silêncio interior. Achas que nada mudaria no mundo?”
Claro que mudaria, mas para isso era preciso que todos esses biliões tivessem consciência da importância desse silêncio, era preciso que todos, ou uma grande parte, tivesse a noção dos benefícios desse silêncio, como fazê-lo e o que fazer com ele. Não sei se me consigo fazer entender. É claro que tens razão quando dizes que é o silêncio interior que fortalece, que o processo é feito de dentro para fora, não há outra forma. Mas tu dizes isso porque já tens essa consciência. A minha preocupação é com aqueles (e que segundo parece, são muitos) que não acordaram ainda para essa realidade, não se apercebem do que se está a passar e do que se avizinha. É por eles que eu sinto que tenho de sair do meu silêncio e tocar o clarim. Eles podem não querer acordar, mas pelo menos têm o direito de opção. Se eu nada disser estou a privá-los disso. Vejo isto mais ou menos desta forma: é como se eu estivesse numa camarata e de alguma maneira soubesse que naquele local ía rebentar uma bomba em pouco tempo. Os meus colegas estão a dormir e eu tenho duas opções, ou uso o tempo que me resta a preparar-me para o evento, ou tento acordar os que estão comigo para que também eles se possam salvar. Se depois de avisados não quiserem fazer nada, a responsabilidade é deles; se não fizerem nada porque eu não os avisei e os deixei a dormir tranquilamente, a responsabilidade é minha.

Dizes que “O "tempo" que há é para trabalhar dentro. Para quem quiser.” E eu concordo contigo, mas só em parte. Eu considero que o tempo é para trabalhar dentro e fora. Para quem quiser, é certo, mas essencialmente para quem souber. Não se pode optar por seguir um caminho que não se sabe que existe. O que me leva de novo ao mesmo sítio, é preciso informar da existência deste caminho para que depois possa haver uma escolha por segui-lo ou não.

“O silêncio não significa ausência de acção ou de palavras”. Não entendi. Estarás a referir-te à ausência de ruído interior, e neste caso à serenidade?

“Mas sem a purificção interior de cada partícula, por si própria, no altar do silêncio, a acção no mundo é simplesmente colocar remendos em si.” Concordo com a primeira parte, a purificação interior é o primeiro passo. Mas porque há pouco tempo eu não posso (não quero) dar-me ao luxo de o gastar todo só a aprimorar-me a mim, e sinto que devo, em simultâneo, gastar parte da minha energia a tentar ajudar outros. Tens razão quando dizes que não se pode ajudar quem não quer ser ajudado, mas se não tentarmos como sabemos se queriam ou não?

:)
 
Mónada:

Concordo contigo, o ideal seria que não fosse necessário usar estes filtros, mas enquanto a nossa sociedade não estiver preparada para viver sem eles (e sem as críticas) usá-los pode ser de grande ajuda.

:)


Naeno:

Já estava na hora de mudar isto, não era? Vamos ter esperança.

:)
 
Olga:

“O silêncio não significa ausência de acção ou de palavras”. Não entendi. Estarás a referir-te à ausência de ruído interior, e neste caso à serenidade?

Sim, estou a referir-me à acção isenta de energia ruidosa que espalhamos no meio ambiente. Ser silencioso interiormente e agir no mundo da melhor forma que sabemos.

Quando ao resto, Deus fez-te diferente de mim na acção para que o mundo se complete num movimento de amor pela vida.
Temos formas diferentes de actuar, mas ambos sabemos e sentimos que existe muito amor em nós para dar ao mundo. Cada um fá-lo da melhor forma que sabe. Cada um é uma partícula viva de amor em acção.

Quiçá continuaremos esta conversa ao vivo.

Fica bem e força de amor para a tua acção neste mundo.

Om-Lumen
 
Om-Lumen:
Pois... E viva a diferença.
Sobretudo, que seja respeitada, e tudo fica bem, tudo se complementa...
:)
 
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