Wednesday, June 06, 2007

 

Clusão: in ou ex?


Desânimo. Do mais profundo.
Gaspar estava à beira de passar do desânimo ao desespero.

Passou a vida a desenvolver em si e a ensinar aos outros o valor da independência. Mas, com quarenta e poucos anos, viu-se privado dessa qualidade que tanto apreciava. O acidente que o deixou paraplégico não lhe roubou apenas a capacidade de locomoção mas também a alegria de viver. E o seu maior problema, contrariamente ao que se pudesse pensar, não era propriamente o facto de não poder usar os seus membros inferiores, sempre foi um lutador, estava disposto a adaptar-se à nova vida. Mas a nova vida é que não parecia muito disposta a adaptar-se a ele. Aquela cadeira de rodas até era uma questão contornável, mas como contornar todos os outros obstáculos?

Ah, sim, ele sabia que a chamada inclusão da pessoa com deficiência estava consagrada em muitas leis, que era tema de muitos seminários, que até reunia a concordância geral, mas daí a tornar-se uma realidade efectiva vai um longo caminho. Longo, duro e muito difícil de suportar sem lágrimas de revolta.

Tanto se fala de uma sociedade democrática e integradora, da dignidade das pessoas e da igualdade de oportunidades para todos… e tudo isso fica tão bonito no papel e no discurso!... Mas e na realidade? Só mesmo quem o sente na pele pode avaliar. Ou quem fizer um esforço de compreensão, o que não é difícil. E não é difícil de prever, por exemplo, que uma pessoa em cadeira de rodas que queira andar pelas ruas sem depender da ajuda de terceiros nem com as maiores acrobacias conseguiria subir e descer a altura dos passeios (quando existem, quando têm largura suficiente e quando não estão obstruídos). Também não é preciso pensar muito para perceber a dificuldade que uma pessoa nestas circunstâncias tem para aceder às caixas Multibanco, dada a altura a que são colocadas. E andar de transportes públicos? E a acessibilidade aos edifícios, inclusive os estatais? Sim, alguns até têm rampas de acesso, mas já repararam bem naquelas inclinações? Os exemplos podiam continuar.

Afinal estamos apenas perante mais uma versão da velha dicotomia teoria vs prática. Quer dizer que somos muito bons a legislar mas não tão bons a cumprir. Quer dizer que ainda temos muita consciencialização para fazer e muita coisa para mudar.

Apesar de tudo, Gaspar é um homem de fé, acredita que estas mudanças ainda vão ocorrer a tempo de ele poder usufruir delas.


(Imagem: David Richardson, Silhouetted Boy in Wheelchair at Sunset)

Comments:
Olá Olga!

Tocas aqui em mais uma das nossas muitas feridas.
Realmente, somos muito bons a legislar, mas para cumprir e fazer cumprir é outra história.

Quanto à consciencialização, o percurso é ainda extra-longo.
Normalmente temos dificuldade em nos metermos na pele de quem é diferente de nós (e isto poderia alargar-se a outras diferenças não físicas). Como se não tivéssemos todos alguma diferença...

A sensibilização devia começar na família e na escola, pois é conhecida a intolerância e mesmo crueldade da maioria dos nossos miudos. Faz parte do egoísmo institucional, que eles absorvem como esponjas.

Quanto às barreiras de que falas, há ainda a dificuldade de perceber que quem tem maiores diferenças físicas tem a mesma necessidade de autonomia que toda a gente.
É como se os condenassem a ser toda a vida crianças pequenas, dependentes dos adultos.

Enfim, é um problema grave, ainda sem solução à vista.
Como o Gaspar, esperemos e lutemos para que haja mudanças.

Beijinhos.
 
Tenho 43 e como o Gaspar, estou numa cadeira de rodas. Desde sempre porque nasci com paralisia cerebral.

Não partilho muito da opinião de que não tenha havido mudanças. Quando me lembro do “antes” e o comparo com o “agora”, mal consigo acreditar!

O problema é que se está a viver numa infundada euforia de promessas. Está a haver um aproveitamento político e social do assunto. Isso é que é lamentável e revoltante!

É preciso dar a volta à situação e dizer basta...

O truque é não esperar até que alguém nos abra as portas. Temos de entrar nem que seja saltando o muro!!!

Um abraço
 
Olá amiga!!! Saudades!
Tenho um segredo para ti!!!Visita-me.
Beijos violeta!
 
Margri:

"Normalmente temos dificuldade em nos metermos na pele de quem é diferente de nós (e isto poderia alargar-se a outras diferenças não físicas)"

Tens razão, temos dificuldade em ver sob o ponto de vista do outro, quer seja mais ou menos diferente de nós. E no entanto é tão fundamental...

"Como se não tivéssemos todos alguma diferença..." Como se não fosse absolutamente desejável que tivéssemos todos alguma diferença!

Concordo que a sensibilização devia começar na família e ser complementada na escola, mas temos todos de nos lembrarmos de uma questão fundamental, é que de nada serve sensibilizar pela palavra se depois os nossos actos mostram o contrário... Porque o ensino faz-se pelo exemplo muito mais do que pela palavra.

:)
 
Mofina Mendes:

Ainda bem que se sentem as mudanças, mas é preciso continuar a fazer cada vez mais, suponho...

Não percebi a que "infundada euforia de promessas" te referes nem a que aproveitamento político e social (também é verdade que às vezes ando distraída). E se assim é, realmente não é muito correcto. Mas se ainda assim puderem daí advir benefícios para quem precisa, talvez se trate de um mal menor...

"O truque é não esperar até que alguém nos abra as portas. Temos de entrar nem que seja saltando o muro!!!"
Admiro a tua tenacidade e força de vontade e sentido de independência. Mas na minha perspectiva, que neste caso é menos credível do que a tua, o ideal seria que não precisasses de esperar que alguém te abrisse a porta porque terias a possibilidade de o fazer sozinha sem ter de depender dos outros. E também não me parece justo que alguém tenha de saltar qualquer muro (em sentido literal ou metafórico) porque o ideal seria que esse muro não estivesse lá para impedir a passagem.

Isto penso eu, que tenho a mania da independência e que acho que todos deviam ter direito a ela,independentemente das condições que a vida lhe tenha colocado...

Obrigada por teres passado por cá e por teres deixado o teu testemunho. E também por essa força que me parece fantástica.

:)
 
Chama Violeta:

Lá irei ao teu segredo!
Espero que esteja tudo bem contigo.

:)
 
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