Friday, July 06, 2007

 

Se é Verão, por que não há sol? Um conto de (des)encantar

Um dia, não muito distante, numa terra muito próxima, um menino acorda no seu quarto protegido e prepara-se para iniciar um novo dia.

O mesmo ritual de sempre: o banho, o pequeno-almoço e o grosso fato de protecção que lhe envolve todos os membros. Como acessório final a máscara, pesada e incómoda, tapando-lhe a boca e o nariz e deixando apenas dois pequenos orifícios tapados com lentes através dos quais podia espreitar o que o rodeava.

Sempre foi assim a sua vida, desde que nasceu. E sabia que seria assim até ao fim dos seus dias, se não fosse ainda pior. Mas estava conformado, afinal, viver é tão bom, mesmo sendo atrofiado por um fato insuflado que lhe tolhe os movimentos.

Chegou a pensar em sair à rua sem o usar, queria tanto sentir o vento na pele, saber qual a textura daqueles espetos secos e agrestes que brotavam do chão árido… Mas sabia que fazer isso significaria morte certa, porque o ar contaminado não o pouparia dois segundos que fosse.

E assim se resignou, mais uma vez, ao isolamento do seu mundinho insuflado e aprisionante.

Mas este dia foi diferente dos demais. Mal saiu de casa, todo atafulhado, deparou-se, através dos orifícios enrigecidos que lhe dificultavam a visão, com um objecto estranho a seus pés. Parecia antigo, alguma espécie de relíquia… uma asa, um bico, uma tampa… mas um pouco empoeirado. Que seria aquilo? Um bule de chá (mas mais pequeno e horizontal)? Uma molheira? Pegou-lhe desajeitadamente, as luvas protectoras impediam-no de fazê-lo de outro modo, com a intenção de lhe afastar as partículas de pó acumulado para tentar perceber o que era. Algumas fricções e… grande susto! Algo saiu do bico e se derramou à sua volta. E falou com ele! Era um vulto humano mas em tamanho gigante.
- Não tenhas medo – disse-lhe docemente – venho dar-te um presente. Podes escolher três desejos, e tudo o que pedires te será dado.
- Oh!... É mesmo? Sabes, há muito tempo que tenho um desejo que gostava tanto de realizar…
- Força, é só dizeres, estou cá para isso.
- Eu gostava tanto, mas tanto, de poder ver como viviam os meninos no passado, como era viver sem se sentir preso dentro de fatos metalizados e máscaras protectoras…
- Fácil, meu jovem, muito fácil. É só chamar ali o meu tapete mágico e lá vamos nós em direcção ao passado.

Dito e feito.
Pouco tempo depois estavam num campo verdejante, cheio de árvores e flores coloridas.
- Podes tirar esse fato, aqui não há problema nenhum.
- A sério?! Posso mesmo? Tirar o equipamento todo sem morrer de contaminação?!?
- Claro. Tira à-vontade. Ao menos uma vez na vida vais saber o que é ser um menino normal, que pode brincar livremente na natureza.
- Wow! Nem dá para acreditar!...
Tirou aquela parafernália toda e ficou extasiado a olhar em volta. Podia ouvir o som dos pássaros em directo e não através dos auriculares instalados no fato, sentir o sol directamente na pele, cheirar as flores, mergulhar as mãos na água cristalina de um riacho e levá-la ao rosto, respirar o ar limpo e perfumado… que alegria. Que tão grande felicidade.

Até o génio da lâmpada ficou sensibilizado. Todas as crianças deveriam ter direito a viver num mundo saudável, a usufruir de um planeta com um mínimo de recursos e condições…

E foi surpreendido nos seus pensamentos pela pergunta do menino:
- Se o mundo já foi assim tão belo e os meninos como eu podiam brincar ao ar livre sem problemas… como é que o mundo se transformou naquele cinzento, seco, quase deserto, todo poluído, infectado, contaminado, em que eu tenho de viver? Se nem mesmo quando é verão eu tenho direito a ver o sol?
- Olha, pequeno, não gostaria de ter de to dizer assim friamente, mas é aos teus antepassados que deves esse tipo de vida.
- Aos meus antepassados?
- Sim, precisamente esses.
- Como assim?
- Com as suas atitudes, com o seu total desrespeito pelo ambiente. Foram avisados muitas vezes, mas não deram ouvidos. Foram as descargas, os gases, os gastos excessivos de energia e água e outros recursos, a recusa sistemática da maioria em separar o lixo para reciclar, etc., etc., etc..

Ficou triste o menino. Tinha muita dificuldade em acreditar que os seres humanos, seus antepassados, tivessem tido esse nível de egoísmo.
- Olha, já sei qual vai ser o meu segundo pedido – disse cabisbaixo.
- Diz lá. Os teus desejos são ordens para mim.
- Quero que dês aos seres humanos desta época a consciência da importância de preservar e cuidar do ambiente para as gerações futuras.
- Tens a certeza de que queres gastar o teu desejo com os outros? Podias pedir o que quisesses para ti…
- Tenho a certeza. É isso que quero. Assim os outros meninos como eu talvez ainda tenham a possibilidade de viver felizes em comunhão com a natureza sem a necessidade de andar quase embalsamados em vida, metidos dentro deste quase aquário… É muito difícil. E é muito triste viver neste ambiente degradado, poluído, cheio de resíduos de toda a espécie por toda a parte, sem flores, sem árvores, sem cores, sem ar decente para respirar…
- Está bem, tu é que sabes. Vou ver o que posso fazer. Eles são muitos, e resistentes… Mas eu vou esforçar-me por dar-lhes essa consciência. E o teu terceiro desejo, o que vai ser?
- O meu terceiro desejo é acordar de manhã e perceber que esta vida e este mundo em que sou forçado a viver não passam de um sonho mau.
- Está bem visto. Assim será.

O menino acorda com os raios de sol a entrar pela janela e os pássaros a chilrear nos ramos das árvores.
- Oh! Que felicidade! Posso viver ainda neste mundo. E posso ajudar a despertar as consciências para que ele seja preservado.
Levantou-se resoluto e enérgico, cheio de vontade de cumprir esta que passou a considerar como a sua missão.



(Imagem 1: Fotografia autor desconhecido
Imagem 2: Fotografia autor desconhecido
Imagem 3: Fotografia Olga Correia
Imagem 4: Fotografia Olga Correia)

Comments:
Olá :-)

Tudo bem?

Desculpa deixar aqui algumas palavras fora do contexto do teu post.

Se te interessar dá uma vista de olhos no meu último post no blog Om-Lumen.

Abraço amigo.

Om-Lumen
 
Quero acreditar que o menino do futuro poderá dispensar o velho génio da lâmpada porque a sua humanidade estará de tal forma desenvolvida que, ele próprio, tornará todos os sonhos em realidade. O menino do futuro, transformará o mundo pelas próprias mãos.

Beijinhos e uma boa semana
 
Om-Lumen:
Combinado, lá irei!
:)

Mofina Mendes:
Tens toda a razão, o menino do futuro não vai precisar de ajuda exterior porque vai saber que no seu interior tem tudo aquilo de que necessita, ele não vai precisar do génio porque ele vai ser o génio. Entretanto esperemos que os pais dele mudem de atitude para que ele possa chegar a esse ponto.
:)
 
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